04/02/2025 - SUS pode se beneficiar com o novo modelo de financiamento
A Atenção Primária à Saúde (APS) é a base do Sistema Único de Saúde (SUS), destacando-se pelas fortes evidências que mostram que ela melhora os indicadores de saúde, representa uma barreira eficaz contra as desigualdades e promove maior eficiência no sistema de saúde ao prevenir doenças e reduzir complicações, internações e sequelas. A APS começou sua expansão no Brasil em 1998, com a criação do Piso de Atenção Básica (PAB), um modelo inovador de financiamento que distribuía recursos federais para todos os municípios de maneira equitativa, rompendo com a lógica do gasto histórico. O PAB proporcionava a cada município um valor fixo per capita, calculado a partir do número de habitantes e outro valor variável, associado ao incentivo à implantação de programas como Saúde da Família, Agentes Comunitários de Saúde, Saúde Bucal e Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Esse modelo foi crucial para ampliar a cobertura dos serviços da APS, especialmente nas regiões mais vulneráveis, utilizando um enfoque baseado na saúde da família e da comunidade. Nos mais de 20 anos de vigência do PAB, ajustes foram realizados para atender a populações específicas, como pessoas em situação de rua, comunidades ribeirinhas e pessoas privadas de liberdade, promovendo ainda mais equidade. O efeito indutor dessa política foi extraordinário, levando a um importante e rápido aumento na cobertura da APS em todos os municípios do país, com prioridade para as regiões mais vulneráveis. O Previne, que não trouxe consigo a destinação de novos recursos para a APS, trazia como objetivo obter um melhor desempenho da APS por meio de uma alocação diferente dos recursos já disponíveis. Isso se revelou uma tarefa bastante difícil de ser colocada em prática, considerando o crônico subfinanciamento do SUS. No Previne, o incremento do acesso foi perseguido por meio do incentivo ao cadastramento, ou seja, os municípios passaram a receber recursos de acordo com a população cadastrada nas unidades de saúde, e não mais pelo número total de munícipes. Nesse contexto, os gestores locais se mobilizaram para aumentar o número de pessoas cadastradas, um processo que se mostrou, de forma geral, um mero ato cartorial. Desta forma, o aumento de indivíduos cadastrados em uma mesma equipe não significou um aumento real da cobertura ou do uso efetivo dos serviços de saúde, nem mesmo um fortalecimento do vínculo entre as pessoas e a equipe de APS. Além disso, o Previne descontinuou os incentivos para a Estratégia de Saúde da Família, reconhecida por sua superioridade em relação ao modelo tradicional de APS, e eliminou o financiamento federal para as equipes multiprofissionais dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família, colocando em risco a resolutividade e a qualidade do cuidado. Apesar de buscar eficiência ao atrelar recursos a metas de desempenho, a implementação deste instrumento enfrentou dificuldades, como a indisponibilidade de dados consistentes para monitorar indicadores-chave, além de uma alta complexidade de regras para as transferências dos recursos. O novo modelo de financiamento foi apresentado em 2024 e revogou o Previne com o intuito de corrigir suas limitações e fortalecer a Estratégia Saúde da Família. Com aumento significativo nos recursos financeiros previstos para 2024 e 2025, e a retomada do pagamento fixo para as equipes, ponderado pelo Índice de Equidade e Dimensionamento (IED), o modelo pretende ampliar efetivamente a cobertura e fortalecer os atributos fundamentais da APS, visando reduzir as desigualdades em saúde. O novo modelo traz inovações significativas, como a redução do número de pessoas adscritas por equipe de Saúde da Família (eSF) de 2.000 para 3.000 pessoas por equipe, o que deveria permitir maior qualidade nos cuidados prestados, melhor satisfação do usuário e melhores resultados em saúde, além de criar espaço para ações de promoção e prevenção em saúde. Um novo incentivo de acompanhamento dos usuários cria os pressupostos para estabelecer vínculos fortes e de longo prazo com as pessoas adscritas, com a perspectiva de orientar esses usuários dentro da rede de serviços do SUS. Essa medida transforma a ação cartorial de cadastramento do Previne em um processo cuidadoso de coleta das informações pessoais desses usuários, que permite identificar eventuais riscos ou condições patológicas pré-existentes, visando organizar os cuidados necessários. Iniciativas complementares do setor público, como o fortalecimento e a expansão do Mais Médicos, a retomada do incentivo financeiro para as Equipes Multiprofissionais eMulti, o investimento na construção de novas UBS com o Novo PAC e a expansão da atenção ambulatorial especializada podem reforçar os impactos positivos do novo modelo, ampliando o acesso à saúde e reduzindo desigualdades. Pela sua recente introdução, ainda não há possibilidade de avaliar os efeitos do novo modelo de financiamento da APS. Contudo, de acordo com nossa análise, consideramos que as novas diretrizes têm o potencial de corrigir desequilíbrios e cobrir lacunas deixadas abertas pelo Previne. Para que isso aconteça, é fundamental agir para criar as condições favoráveis. Em primeiro lugar, é preciso insistir na melhor regulação e organização das redes de atenção à saúde, fortalecendo a governança regional. Para ser resolutiva, a APS precisa de comunicação e conexão fortes com a rede de atenção especializada da região, além de sistemas logísticos adequados e uma regulação assistencial transparente e eficiente. Também é necessário contar com um sistema de avaliação robusto que permita monitorar os efeitos do novo modelo sobre a saúde da população e sobre o desempenho dos serviços, com atenção especial para os grupos mais vulneráveis. Onde possível, é fundamental realizar análises ex ante (estimativas, simulações ou outros instrumentos) dos custos da implementação dos componentes do novo modelo, assim como tratar de analisar os impactos da implementação do novo modelo de financiamento sobre os indicadores de saúde populacional (morbimortalidade), de serviços, de satisfação das pessoas e de eficiência. Em particular, seria importante avaliar em profundidade os efeitos da redução do número de pessoas adscritas às equipes da ESF sobre resolutividade, qualidade e desempenho dos serviços de APS, visando encontrar a melhor relação custo/benefício, de acordo com as diferentes condições de vulnerabilidade. Por fim, é essencial assegurar a toda a população o acesso tempestivo, claro e transparente aos resultados do monitoramento, construindo mecanismos de governança que permitam introduzir rapidamente ajustes quando os dados do monitoramento os sugerirem.
Em 2019, foi introduzida uma reforma significativa no financiamento da APS com a criação do Programa Previne Brasil, inspirado em experiências internacionais. Vale destacar que a implementação desse programa encontrou dificuldades e atrasos causados pela pandemia de Covid-19, negociações delicadas com estados e municípios, além de alguns problemas em seu desenho e operacionalização.
Inovações do novo modelo de financiamento
É fundamental ampliar o acesso à saúde de qualidade. Nesse sentido, a consolidação do novo modelo de financiamento pode contribuir para o fortalecimento de um sistema de saúde mais resolutivo e eficiente, representando uma plataforma sólida para um novo ciclo de expansão da APS no Brasil e gerando impactos positivos para toda a população brasileira.
FONTE:
Uol