18/11/2024 - Consequências não desejáveis do fim da escala 6x1
Em fevereiro de 1982, o governo francês decidiu reduzir a jornada de trabalho, conforme indicado no programa do então recém-eleito presidente socialista François Mitterrand. A jornada passou de 40 para 39 horas por semana, sem redução da remuneração dos trabalhadores que recebiam o salário mínimo. Poucos meses antes, em julho de 1981, o salário mínimo havia aumentado em 5%. Para os demais trabalhadores, a manutenção da remuneração seguiu como recomendação, mas acabou sendo amplamente acatada pelas empresas. Entre as justificativas para a redução de jornada, estavam os efeitos positivos que a mudança poderia gerar no mercado de trabalho. Por exemplo, mais tempo de lazer e com a família e aumento na performance dos trabalhadores, tornando as horas no trabalho mais produtivas. Havia também a possibilidade de redução do desemprego, já que mais trabalhadores poderiam ser empregados para compensar a redução de jornada de quem já estava empregado. Mas, ao contrário do que se esperava, os efeitos em emprego foram na direção oposta. A nova jornada desencadeou demissões, com aumento das transições do emprego para o desemprego. Os efeitos foram ainda maiores para os trabalhadores de baixo salário, sendo consequência direta da impossibilidade de ajustes em suas remunerações. O eventual benefício da redução da jornada para os que permaneceram empregados veio ao custo do emprego dos que foram demitidos. A experiência da França traz bons pontos de reflexão para o fim da escala 6x1 no Brasil e mostra que mesmo uma pequena redução de jornada —de apenas uma hora!— pode gerar consequências não desejáveis, substanciais e bem diferentes das intenções pretendidas. É pouco provável que uma redução de jornada em oito horas —de 44 para 36 horas por semana— não venha acompanhada pelo aumento do desemprego, principalmente quando a proposta estabelece a obrigatoriedade de manutenção de salários, como no caso da França. Além disso, no Brasil, uma margem importante de ajuste se dá através da informalidade, na qual as novas restrições de jornada e salário não se aplicam. A longa jornada de trabalho (44 horas por semana ou mais) é hoje uma realidade para cerca de 40% da população ocupada, com 20 milhões de pessoas trabalhando exatamente no limite de 44 horas, e outros 20 milhões, em jornadas maiores. Diferentemente do que se imagina, ela não incide apenas sobre os trabalhadores de menor escolaridade, já que os 43% dos trabalhadores em longas jornadas possuem ensino médio completo, e 24%, ensino superior incompleto ou mais. Mas se verifica mais que proporcionalmente entre trabalhadores que recebem baixo salários: cerca de 90% dos trabalhadores em longas jornadas recebem até dois salários mínimos. Esses números mostram que a discussão sobre a jornada de trabalho é meritória, mas que precisa levar em conta as características particulares da nossa economia. Afinal, melhores condições de trabalho e de qualidade de vida também podem ser alcançadas de outras formas, como através de políticas que promovam o emprego e a inclusão produtiva, que estimulem a capacitação do trabalhador para a progressão salarial, que reduzam o tempo de deslocamento da casa para o trabalho. Tudo aquilo que o fim da escala 6x1 passa longe de garantir.
FONTE:
UOL