CRÉDITO
PRESUMIDO
INSUMOS COM ALÍQUOTA ZERO
RESUMO: O Parecer a seguir transcrito traz disposições no sentido de que a aquisição de insumos tributados a alíquota zero (0%) não confere direito ao crédito presumido do imposto em questão
PARECER PGFN
nº 045, de 24.03.2003
(DOU de 26.03.2003)
ANEXO
Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI. A aquisição de insumos tributados à alíquota zero (0%) não confere direito ao crédito presumido do IPI, quer por força de Lei (art. 11, Lei nº 9.779/99), quer em face da técnica da não-cumulatividade (art. 153, § 3º, II, CF/88).
O critério utilizado, de compensar "imposto sobre imposto" com crédito pelas entradas e débitos pelas saídas, em periodicidade assinalada pela legislação, não ofende a técnica da não-cumulatividade.
A legislação do IPI, não permitindo o crédito presumido na aquisição de insumos tributados à alíquota zero, insere-se no bojo de uma política econômica governamental, cuja competência o legislador constitucional atribuiu ao Poder Executivo, em atuação harmônica com o Poder Legislativo, "nas condições e nos limites estabelecidos em lei" (CF, art. 153, § 1º; Decreto-lei nº 1.199/71, art. 4º; Regulamento e Tabela do IPI).
Inexistindo lei concedendo incentivo ou benefício fiscal, não pode o Juiz supri-la, tomando de empréstimo a alíquota fixada para a operação subseqüente (B-C), para o fim de concretizar o direito de crédito presumido na operação antecedente (A-B), em face de o Poder Judiciário não poder atuar como legislador positivo, a teor de reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, manifestada em casos análogos.
Alíquota zero e isenção são institutos distintos, podendo ter efeitos tributários próprios, de conformidade com a lei de regência (primado do princípio da legalidade). No dizer do STF, tais institutos "não se confundem, possuindo características que os diferenciam", razão pela qual tem negado o direito de crédito presumido na aquisição de insumos tributados à alíquota zero, tanto nas operações de importação, quando nas operações internas, consoante explicação ofertada pelos professores Ruy Barbosa Nogueira e Gilberto de Ulhôa Canto.
Os produtos "NT" (não-tributados), que estão fora do campo de incidência do IPI, não se submetem ao exame do crédito presumido.
SUMÁRIO: I. Da necessidade do Parecer; II. O questionamento no Judiciário; III. O tratamento dado pela Constituição; IV. O critério "imposto sobre imposto", "base sobre base" e "valor acrescido"; V. A não-cumulatividade na Constituição; VI. O Código Tributário Nacional; VII. A lei ordinária do IP I e a não-cumulatividade; VIII. Alíquota zero e isenção: institutos distintos; IX - O parecer de Geraldo Ataliba e Cleber Giardino; X. Produto "NT" e o direito ao crédito do IPI; XI. Interpretação conforme à Constituição; XII. Cumulatividade e não-cumulatividade: efeitos práticos; XIII. O Art. 11 da Lei 9.779/99; XIV. A jurisprudência do STF; XV. Os Tribunais Regionais Federais; XVI. O crédito presumido do IPI; XVII. A T abela do IPI - exemplos; XVIII. Conclusão.
I
DA NECESSIDADE DO PARECER
O Grupo de Trabalho, constituído pelo Sr. Procurador-Geral da Fazenda Nacional, através da Portaria nº 546, de 20.12.2002, publicada no Diário Oficial da União, Seção 2, de 26.12.2002 (Portaria anterior: nº 335, de 25.07.2002), atribuiu-me a tarefa de preparar Parecer, sobre os efeitos da técnica da não-cumulatividade do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, no que concerne ao direito de crédito na aquisição de insumos tributados à alíquota zero (0%), com subseqüente saída tributada.
2.É o que passo a examinar,
cuja conclusão encontra fundamentos de validade na Carta da República
de 1988, assim como no Código Tributário Nacional e, via de conseqüência,
na legislação e no Regulamento do IPI que regem a matéria
em foco.
II
O QUESTIONAMENTO NO JUDICIÁRIO
3. Contribuintes tem-se dirigido ao Judiciário, para ver reconhecido o direito de crédito na aquisição de insumos (matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem), destinados a industrialização e posterior venda tributada dos resultantes produtos.
4. Esse questionamento surgiu mais intensamente a partir do art. 11 da Lei nº 9.779, de 1999, em interpretação errônea deste artigo, como teremos oportunidade de ver no item XIII.
5. Alegam que tais disposições autorizam o crédito "presumido" do IPI, e, para tanto, reportam-se ao precedente RE nº 212.484-2-RS, em que o Colendo Supremo Tribunal Federal, em sua composição plena, decidiu haver direito de crédito, na aquisição de insumos isentos (aquisição de xarope para produção de Coca-Cola, na Zona Franca de Manaus). Entendem, portanto, os contribuintes do IPI, que a aquisição de insumos à alíquota zero, merece o mesmo tratamento dispensado à isenção, sob pena de se negar vigência ao art. 153, § 3º, II, da Constituição Federal.
6. A tese, porém, data vênia da doutrina oposta, não tem fundamento constitucional. Tampouco encontra base legal no Código Tributário Nacional e na própria legislação do IPI.
7.É o que passamos a demonstrar.
III
O TRATAMENTO DADO PELA CONSTITUIÇÃO
8. A questão repousa fundamentalmente no texto constitucional. Bem por isso, é preciso ter sempre presente tal disposição, porquanto, desde a reforma operada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1965, passando pela Constituição de 1967 e pela Emenda Constitucional nº 1, de 1969, e culminando com a vigente Carta de 1988, nenhuma alteração foi processada na técnica da não-cumulatividade, no tocante ao IPI.
9.Com efeito, leia-se:
Emenda Constitucional nº 18, de 1º.12.1965:
"Art. 11 - Compete à União o imposto sobre produtos industrializados.
Parágrafo único - O imposto é seletivo em função da essencialidade dos produtos, e não cumulativo, abatendo-se, em cada operação, o montante cobrado nas anteriores."
Constituição Federal de 24.01.1967:
"Art. 22 - Compete à União decretar impostos sobre:
...
V - produtos industrializados;
...
§ 4º - O imposto sobre produtos
industrializados será seletivo, em função da essencialidade
dos produtos, e não-cumulativo, abatendose, em cada operação,
o montante cobrado nas anteriores."
Emenda Constitucional nº 1, de 17.10.1969:
"Art. 21 - Compete à União instituir imposto sobre:
I - importação de produtos
estrangeiros, facultado ao Poder Executivo, nas condições e nos
limites estabelecidos em lei, alterar-lhe as alíquotas ou as bases de
cálculo;
...
V - produtos industrializados, também observado o disposto no final do item I;
...
§ 3º - O imposto sobre produtos industrializados será seletivo em função da essencialidade dos produtos, e não-cumulativo, abatendose, em cada operação, o montante cobrado nas anteriores."
Constituição Federal de 5.10.1988:
"Art. 153 - Compete à União instituir impostos sobre:
...
IV - produtos industrializados;
...
§ 1º - É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.
...
§ 3º - O imposto previsto no inciso IV:
I - será seletivo, em função da essencialidade do produto;
II - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores."
10 - Tendo sempre presente esta última disposição constitucional, porque determinante para o deslinde da questão, passamos a examinar a temática em foco.
IV
CRITÉRIO "IMPOSTO SOBRE IMPOSTO", "BASE SOBRE BASE"
E "VALOR ACRESCIDO"
11 - Visto o texto constitucional, o segundo passo consiste em saber se a Constituição, quanto à "compensação", no bojo da nãocumulatividade (art. 153, § 3º, II, CF), seguiu o critério "base sobre base", ou "imposto sobre imposto", em face da teoria do "valor acrescido".
12 - Antes de respondermos a essa pergunta, vejamos, primeiramente, como se manifesta a doutrina, em relação às origens e evolução desse instituto, porquanto, embora debatendo o ICM (Imposto sobre Circulação de Mercadorias) em comparação com o IVA (Imposto sobre o Valor Acrescido) ou com a TVA (Taxe sur la Valeur Ajoutée), serve para examinarmos a "não-cumulatividade" do IPI.
13 - Alcides Jorge Costa, examinando o ICM, no Capítulo IV, intitulado "Perfil do Imposto de vendas sobre o valor acrescido", esclarece: 1
"O método de subtração admite duas variantes: o da base sobre base e o de imposto sobre imposto.
Pelo método de subtração variante base sobre base, o valor acrescido resulta da diferença entre o montante das vendas e o das aquisições no mesmo período.
Pelo método da subtração variante imposto sobre imposto, o valor acrescido obtém-se deduzindo do imposto a pagar o imposto que incidiu sobre os bens adquiridos no mesmo período. (...)
O método geralmente usado é o de imposto sobre imposto. O método de subtração base sobre base foi o perfilhado pela lei japonesa aprovada em 1950 e que foi revogada sem jamais ter sido aplicada; (estes métodos são, em geral, referidos em todos os autores que cuidam do imposto sobre o valor acrescido).
Os dois métodos não se equivalem, exceto se a alíquota for uniforme. Sobre esta não equivalência vale transcrever a demonstração de J. J. PHILIPPE (La taxe sur la valeur ajoutée, p. 133):
O contribuinte B compra de A, por 100, determinado produto que revende por 200. Eis as hipóteses:
a) alíquota uniforme de 10%
cálculo base sobre base: (200-100) X 10% = 10
cálculo imposto sobre imposto: (200X10%) (100x10%) = 10
b) alíquota de 5% nas vendas
de A e de 10% nas vendas de B
cálculo base sobre base: (200-100) X 10% = 10
cálculo imposto sobre imposto: (200x10%) - (100X5%) = 15
c) alíquota de 15% nas vendas
de A e de 10% nas vendas de B
cálculo base sobre base: (200-100) X 10% = 10
cálculo imposto sobre imposto: (200x10%) - (100x15%) = 5
Como adverte COSCIANI (El Impuesto al Valor Agregado, p. 7680), pode-se dizer, de modo geral, que no método imposto sobre imposto, a alíquota das fases ulteriores exerce influência nas fases precedentes, enquanto que, no método base sobre base, o efeito da alíquota circunscreve-se à operação a que foi aplicada." (destacamos)
14 - Em seguida à edição
dessa obra do mestre da USP, tivemos a realização do III Simpósio
Nacional de Direito Tributário, tema "O fato gerador do ICM",
cuja 3ª pergunta tem a seguinte redação: 2
3ª Questão:
O valor acrescido é circunstância que compõe a hipótese de incidência do ICM?
Conclusão do Plenário:
"Não, o valor acrescido não é circunstância componente da hipótese de incidência do ICM.
O princípio constitucional da não cumulatividade, consiste, tão somente, em abater do imposto devido o montante exigível nas operações anteriores, sem qualquer consideração à existência ou não de valor acrescido."
15 - À época, vigia a CF/67-69, que no art. 23, dispondo sobre os impostos dos Estados e do Distrito Federal, estabeleceu:
"II - operações relativas à circulação de mercadorias realizadas por produtores, industriais e comerciantes, impostos que não serão cumulativos e dos quais se abaterá, nos termos do disposto em lei complementar, o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado."
E, quanto ao IPI, no art. 21:
"§ 3º - O imposto sobre produtos industrializados será seletivo em função da essencialidade dos produtos, e não-cumulativo, abatendose, em cada operação, o montante cobrado nas anteriores."
16 - Reproduzimos esses dispositivos,
para demonstrar que a "nãocumulatividade", examinada no referido
Simpósio, mantém a mesma redação que a CF/67-69
deu ao IPI, salvo, quanto ao ICM, a referência à lei complementar.
17 - A conclusão ofertada pelo Plenário do referido Simpósio,
transcrita, não deixa margem a dúvidas quanto ao significado,
constitucional, da "não-cumulatividade". Dos estudos constante
do referido Caderno nº 3, destacamos trechos essenciais:
Gaetano Paciello (saudoso), esclarece: (p. 191 e 180)
"As diretrizes comunitárias,
que constituem a fonte mais próxima do "imposto sobre o valor acrescido",
não definem o que seja
"valor acrescido". (...)
Assim, deve ser afastada a idéia errônea (e o erro tem sido tradicional e constante) de que o ICM seja um "imposto sobre o valor acrescido". Idêntico aos impostos europeus, notadamente à T.V.A. francesa na qual o legislador brasileiro do ICM ter-se-ia inspirado. Observe-se a esse respeito que o princípio de não-cumulatividade, único ponto que guarda, realmente, identidade entre o IVA e o ICM, já era praticado em relação ao IPI, muito antes da reforma tributária de 1965, com bem lembrava o Prof. Rubens Gomes de Sousa." (destacamos)
Carlos da Rocha Guimarães: (p. 134-135)
"Valor acrescido - A Constituição de 1969 não fala em valor acrescido das mercadorias; estabelece que os impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias "não serão cumulativos e dos quais se abaterá, nos termos do disposto em lei complementar, o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado."
Assim, não se apura a diferença dos valores das mercadorias, para depois calcular o imposto, mas dos impostos de que se credita o adquirente e daqueles de que ele se debita em cada operação.
Pode parecer, à primeira vista, que tanto faz tributar a diferença de valor entre as mercadorias alienadas e as adquiridas, ou a diferença entre os impostos devidos por essas operações isoladamente.
No entanto, não é necessariamente assim em todos os casos." (destacamos)
Hamilton Dias de Souza: (p. 248-249)
"Na verdade, nos tributos não
cumulativos, o montante devido resulta, ou do valor agregado em cada operação,
ou da diferença entre o imposto devido na operação posterior
e o exigido na anterior. No primeiro caso, subtrai-se do valor da operação
posterior o da anterior, ou ainda, diminui-se do total das vendas o total das
compras (dedução na base). No segundo, subtrai-se do imposto devido
na operação posterior, o que foi exigível na anterior (dedução
do imposto). (57) Aparentemente os dois sistemas produzem resultados idênticos.
Tal, porém, não ocorre necessariamente, pois eventuais diferenças
de alíquotas ou isenções nas fases precedentes alteram
a carga tributária final conforme se adote um ou outro sistema. (58)
No Brasil, adotou-se o sistema de dedução de imposto, não
de dedução da base. Como salientamos em trabalho anterior, (59)
o I.C.M. não é imposto sobre o valor agregado, mas sim tributo
multifásico não cumulativo por dedução do imposto
exigível nas operações precedentes, o que não significa
que incida necessariamente sobre o acréscimo de valor em cada operação."
(grifamos)
Paulo de Barros Carvalho: (p. 355)
"Não é tarde para reconhecermos que o cânone da não cumulatividade é tema pobre para o Direito. Opera no plano meramente arrecadatório, consoante regime específico de configuração do montante relativo a cada período do recolhimento. (...)
O papel da não cumulatividade,
no arcabouço normativo do ICM, está jungido tão somente
ao método de consideração do valor periódico de
cada recolhimento. Nada tem que ver com a base de cálculo, que se congrega
à alíquota para determinar o signo patrimonial correlativo à
incidência tributária, em cada operação." (destacamos)
Ives Gandra da Silva Martins explica: 3
"No Brasil, a disciplina jurídica da técnica não-cumulativa possui algumas distinções em relação ao sistema clássico da imposição sobre o valor agregado.
Com efeito, três são as formas de adoção de um sistema não em cascata. No primeiro, deduz-se, do imposto a pagar, o imposto já pago, sistema que se denomina tax on tax e que, de rigor, dificulta a fiscalização e o cálculo, por pressupor a dedução do imposto de operação para operação.
Na segunda técnica, a dedução se faz sobre a base, isto é, deduzse da base de cálculo, o tributo devido a partir da base anterior.
É o sistema basis on basis também de mais difícil fiscalização, pois as operações devem ser justificadas e de operação em operação.
Por fim - e é o sistema adotado no país - a não-cumulatividade se dá de imposto sobre imposto, mas correspondendo à totalidade de operações de entradas para a totalidade das operações de saídas em um período, mesmo que a mercadoria ou a matéria-prima que entrou incidida não tenha saído ou sido utilizada naquele período. Denomina-se "técnica periódica", pois periodicamente abate-se o imposto incidente sobre as operações anteriores daquele que incidirá sobre as novas operações e, desta conta de crédito e débito, surge o tributo a pagar ou a escriturar criando-se um crédito a ser deduzido do futuro imposto a recolher, se naquele período o tributo a recolher for inferior ao incidido anteriormente." (destacamos)
18. Esclarece, ainda, este Professor Emérito da Universidade Mackenzie: 4
"O princípio da não-cumulatividade, adotado apenas para dois impostos, passou a ser definitivamente um impedimento constitucional aos legisladores ordinários dos Estados e da União de fazerem do IPI e do ICM tributos cumulativos. Não satisfeito o constituinte em falar da não-cumulatividade, esclareceu de que forma se operaria, a saber, abatendo-se em cada operação o montante dos tributos cobrados nas anteriores." (destacamos)
19. Ante tais pronunciamentos, que se coadunam com as razões e as fundamentações expostas nesse parecer, e se amoldam à definição dada pela Carta da República à técnica da não-cumulatividade, demos, agora, responder à indagação feita no início deste item 4, com a seguinte assertiva:
O sistema constitucional tributário brasileiro sempre reservou, para a definição da não-cumulatividade do IPI, a compensação pelo cálculo imposto sobre imposto, com apuração periódica do IPI, haja vista que a norma fundamental dispõe que o IPI "será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores" (art. 153, § 3º, II, CF/88), definição que é explicitada pelo CTN (art. 49), e efetivada pela legislação do IPI (consolidada no RIPI e na TIPI).
20.Tal conclusão nos permite uma outra assertiva:
Na aquisição de insumos que a TIPI tributa à alíquota zero (0%), não é possível tomar de empréstimo a alíquota de 10%, prevista para a operação B-C, para apurar o quantum do crédito a ser escriturado em face da operação A-B, por falta de previsão legal. Tal ausência não pode ser suprida pelo Juiz, porquanto é defeso ao Judiciário atuar como legislador positivo.
21. Com efeito:
"Não cabe, ao Poder Judiciário, em tema regido pelo postulado constitucional da reserva de lei, atuar na anômala condição de legislador positivo (RTJ 126/48 - RTJ 143/57, RTJ 146/461-462 - RTJ 153/765 RTJ 161/739-740 - RTJ 175/1137, v.g.), para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento.
É que, se tal fosse possível, o Poder Judiciário - que não dispõe de função legislativa passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador positivo), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação dos poderes." (AgRg no RE 322.348-8-SC, STF, 2ª Turma, Celso de Mello, unânime, 12.11.2002, DJU 06.12.2002 - Ementário nº 2094-3) (os grifos são do original)
V
A NÃO-CUMULATIVIDADE NA CONSTITUIÇÃO
22. Diferentemente da doutrina de
ponta, recentemente surgiu uma segunda corrente, na análise do instituto
da não-cumulatividade, que examina o termo "não-cumulatividade"
isoladamente, sem se atentar para o inteiro teor desse instituto, tal como definido
pela própria Constituição.
23.Com efeito, descobrir a natureza jurídica de um instituto, ou seja,
o que ele é e quais os efeitos que irradia, é centrar a interpretação
na dicção que a Constituição lhe dá. No caso
em apreço, eis como a Constituição define a técnica
da não-cumulatividade (art. 153, § 3º, II):
"O IPI será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores."
24. Desdobremos essa expressão, para poder aferir, com segurança, seu conteúdo, sentido e alcance, e, portanto, quais os efeitos que irradia.
a) O IPI será não-cumulativo... - Em que consiste a "não-cumulatividade"? É, obviamente, o tributo que não é "cumulativo". O IPI, se cumulativo fosse, incidiria em cada operação de industrialização, sem compensação alguma. O IPI não-cumulativo é aquele que surte efeitos diferentes do IPI cumulativo.
25. A Constituição prossegue, complementando:
b) compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores - Agora, temos a definição completa da técnica da não-cumulatividade, dada pela própria Constituição. Ou seja, a não-cumulatividade é operada por meio de "compensação". E como se opera a compensação? A Constituição responde: do IPI devido pela venda que B faz a C, B compensa o IPI que A lhe cobrou na operação A-B. Destarte, a expressão teórica é traduzida, na prática, por simples cálculo aritmético (pois o objeto do tributo é a prestação pecuniária - Art. 3º, CTN).
26. Importante observar que a Constituição, ao dispor que se compensa "o que for devido em cada operação (B-C) com o montante cobrado nas anteriores (A-B)", como regra geral, só admite o crédito, se a operação B-C for tributada, pois quaisquer incentivos ou benefícios fiscais só podem ser estabelecidos por expressa disposição de lei (CF/67-69, art. 21, § 2º e 153, § 2º; CTN/66, arts. 97, VI e 176; CF/88, art. 5º, II e 151, III; CF/88, art. 5º, II e 150, § 6º, este última na redação dada pela EC 3/93).
27. Essa é a definição, é a estrutura básica, fundamental, que a Constituição oferece, e que há de prevalecer, em face da "intangibilidade da ordem constitucional". 5
28. Enfim, a interpretação constitucional não apresenta maiores complexidades. Tampouco dá margem, a Constituição, a maiores divagações doutrinárias, porquanto deve, a não-cumulatividade, ser interpretada com seu complemento.
VI
O CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL
29. Como é cediço, a "lei complementar" tem por função "complementar" a Constituição, nos estritos termos que esta autoriza.
30. A Lei nº 5.172, de 25.10.1966, ganhou status de lei complementar em face da Constituição de 24.01.1967, recebendo, em seguida, a denominação de "Código Tributário Nacional" (CTN), por força do art. 7º do Ato Complementar nº 36, de 13.03.1967.
31. A Emenda Constitucional nº 1, de 17.10.1969, deu nova redação à CF de 1967, outorgando, à lei complementar (CTN), poder para estabelecer, entre outros, normas gerais de direito tributário.
32. A atual Carta de 1988 manteve a mesma outorga, no art. 146, com alguns acréscimos.
33. Dentro da atribuição dessa competência, explicita o CTN:
"Art. 48 - O imposto é seletivo em função da essencialidade dos produtos."
"Art. 49 - O imposto é
não-cumulativo, dispondo a lei de forma que o montante devido resulte
da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto
referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente
aos produtos nele entrados.
Parágrafo único. O saldo verificado, em determinado período,
em favor do contribuinte, transfere-se para o período ou períodos
seguintes."
34. Em assim dispondo, o CTN mantém perfeita adequação
à diretriz constitucional, para os mesmos efeitos práticos. Tal
adequação sempre foi reconhecida, e jamais contestada, pela doutrina
pátria, como se pode ver da manifestação ofertada pelo
professor Ives Gandra da Silva Martins (transcrita no item IV).
35.Com o mesmo entendimento, entre tantos outros (III Simpósio), Hugo de Brito Machado: 6
"2.2 - Não-cumulatividade por produto e por período
No art. 153, § 3º, inciso
II, está dito que o IPI será não cumulativo, compensando-se
o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores.
Se interpretado literalmente esse dispositivo, teríamos um IPI não
cumulativo por produto. Isso, porém, é, na verdade, impraticável,
especialmente nas indústrias de produtos variados.
Assim, prevalece a regra do Código tributário Nacional, que, para
tornar viável o princípio constitucional, estabelece a não-cumulatividade
por período. (...)
Nos termos do CTN, "o imposto é não cumulativo, dispondo a lei de forma que o montante devido resulte da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente a produtos nele entrados" (art. 49). Explica, outrossim, o Código que "o saldo verificado, em determinado período, em favor do contribuinte, transfere-se para o período ou períodos seguintes" (CTN, art. 49, parágrafo único).
Em uma empresa industrial, por exemplo,
isto significa dizer o seguinte: a) faz-se o registro, como crédito,
do valor do IPI relativo às entradas de matérias-primas, produtos
intermediários, materiais de embalagem, e outros insumos, que tenham
sofrido a incidência do imposto ao saírem do estabelecimento de
onde vieram; b) faz-se o registro, como débito, do valor do IPI calculado
sobre os produtos que saírem. No fim do mês é feita a apuração.
Se o débito é maior, o saldo devedor corresponde ao valor a ser
recolhido. Se o crédito é maior, o saldo credor é transferido
para o mês seguinte." (grifamos)
36.Se, como asseverado pelo mestre da UFC, é lançado a crédito
o valor do IPI de insumos "que tenha sofrido a incidência do imposto
ao saírem do estabelecimento de onde vieram", e se a legislação
do IPI estabelece que "o campo de incidência do imposto abrange todos
os produtos com alíquota, ainda que zero, relacionados na TIPI"
(Art. 13, Lei 9.493/97) o contribuinte calcula e lança o crédito
com base nas alíquotas constantes na TIPI, quer seja 5% ou 27%, quer
seja 7%, 1%, 0%, 8%, 70% ou 30%.
VII
A LEI ORDINÁRIA DO IPI E A NÃO-CUMULATIVIDADE
37. A legislação do IPI mantém conformidade tanto com a Constituição, quanto com o Código Tributário Nacional, fenômeno que se registra desde a Lei nº 4.502, de 30.11.1964 (antiga Lei do Imposto de Consumo - convolado em IPI), atualmente vigente com alterações posteriores.
38. Decretos regulamentares foram-se sucedendo, com a finalidade de manter atualizada a legislação de regência, e o Regulamento do IPI (RIPI), aprovado pelo Decreto nº 2.637, de 1998, tal como o anterior (Decreto 87.981/82), dispõe:
"Art. 146 - A não-cumulatividade do imposto é efetivada pelo sistema de crédito, atribuindo ao contribuinte, do imposto relativo a produtos entrados em seu estabelecimento, para ser abatido do que for devido pelos produtos dele saídos, num mesmo período, conforme estabelecido neste capítulo (Lei nº 5.172, de 1966, art. 49)."
"Art. 147 - O estabelecimentos industriais, e os que lhes são equiparados, poderão creditar-se (Lei nº 4.502/64, art. 25):
I - do imposto relativo a matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem, adquiridos para emprego na industrialização de produtos tributados, incluindo-se, entre as matérias-primas e produtos intermediários, aqueles que, embora não se integrando ao novo produto, forem consumidos no processo de industrialização, salvo se compreendidos ente os bens do ativo permanente." (destacamos)
39. Observe-se que o art. 147 do RIPI/98 só admite o crédito do IPI, relativo aos insumos, se de sua industrialização resulta subseqüente saída tributada (salvo, obviamente, nas hipóteses em que a LEI concede benefícios ou incentivos fiscais, assegurando a manutenção do crédito).
40. Se, como bem ensina o Min. Moreira Alves 7 , "não se interpreta a Constituição pela lei mas a lei é que é interpretada pela Constituição", constataremos que a legislação do IPI (Regulamento e Tabela) traduz, na prática, com extremo rigor e perfeição, a técnica da não-cumulatividade.
41.Tampouco jamais foram contestados,
ou declarado inconstitucionais, os dispositivos da legislação
do IPI, que adotam a alíquota zero, e os que não conferem direito
de crédito (presumido), na aquisição de insumos tributados
à alíquota zero.