ASSUNTOS
DIVERSOS
INFORMAÇÃO AO CONSUMIDOR - AFIXAÇÃO DE PREÇOS DE PRODUTOS E SERVIÇOS - VETO TOTAL
RESUMO: O Veto a seguir reconhece a importância da ação constante do projeto, porém, identifica que o mesmo necessita de aperfeiçoamento para atender à legislação federal, especialmente no tocante ao art. 60, inciso II; art. 61, par. 1º, inciso II, alínea "e"; art. 82, inciso VII e art. 84, inciso VI, todos da Constituição Federal.
VETO TOTAL AO
PROJETO DE LEI Nº 150/00
(DOE de 27.12.00)
Senhor Presidente:
Dirijo-me a Vossa Excelência com a finalidade de comunicar-lhe que, utilizando-me da prerrogativa prevista nos artigos 66, § 1º, e 82, inciso VI, da Constituição do Estado, decidi vetar na íntegra o Projeto de Lei nº 150/2000, de autoria do Deputado Onyx Lorenzoni, aprovado por essa Egrégia Casa na Sessão Plenária de 28 de novembro próximo passado.
A proposição parlamentar em epígrafe tem como objetivo dispor sobre as formas de afixação de preços de produtos e serviços para conhecimento pelo consumidor, admitindo, para o comércio em geral, a forma de etiquetas ou similares; para auto-serviços, supermercados, mercearias ou estabelecimentos comerciais, em que o consumidor tenha acesso direto ao produto sem intervenção do comerciante, a impressão ou fixação do código referencial ou afixação do código de barras; ou na impossibilidade de utilização das duas formas citadas, permite o uso de relação dos produtos expostos.
Embora sejam considerados os elevados propósitos que norteiam o projeto de lei e a intenção do autor em dotar o nosso Estado de uma legislação específica para regular e disciplinar as relações entre o comércio varejista e o consumidor, a questão merece uma análise mais acurada por parte desta Administração quanto ao aspecto de sua conveniência administrativa e da sua constitucionalidade.
A proposta versa sobre a apresentação do preço dos produtos expostos à venda, matéria que diz respeito ao Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90, especialmente relacionada aos artigos 6º, III, e 31 da lei consumerista. Inicialmente, portanto, cumpre verificar sua adequação às normas constitucionais.
A Constituição Federal, em seu artigo 24, inciso V, outorgou à União, aos Estados e ao Distrito Federal a competência concorrente para legislar sobre produção e "consumo", área em que se inserem as normas do projeto em epígrafe.
Conforme é sabido, a chamada competência legislativa concorrente, não cumulativa, isto é, com limitação vertical ao seu exercício, nas matérias previstas no artigo 24 da Carta Federal, permite aos Estados e ao Distrito Federal legislarem de maneira específica em questões que também são objeto de regulamentação geral por parte da União.
Pelo comando do dispositivo constitucional citado, foi cometida à União a competência para elaborar as normas gerais e, aos demais entes políticos, a edição de normas suplementares.
Inocorrendo lei federal sobre normas gerais, poderão os Estados e o Distrito Federal exercer a competência legislativa plena para atender peculiaridades regionais, sem prejuízo, porém, da suspensão da eficácia da lei estadual no caso da superveniência de norma federal, no que lhe for contrária, conforme os §§ 3º e 4º da Constituição Federal.
O que o constituinte federal outorgou ao legislador estadual foi a competência para legislar de modo complementar ou supletivo em matéria de direito de consumo, pois, para esta questão, a norma geral é o Código de Defesa do Consumidor, editada em atendimento ao artigo 48 do Ato da Disposições Constitucionais Transitórias, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.
O Estado do Rio Grande do Sul, no exercício dessa competência concorrente, pode legislar no sentido de especificar, aclarar ou até mesmo ampliar, conforme o caso, o direito do consumidor no âmbito de seu território, contanto que não seja ferido o direito federal pertinente, atendendo, assim, a ordem constitucional.
Frente ao exposto, o Projeto de Lei nº 150/2000 não pode ser objeto de sanção por força do que dispõe o § 4º do artigo 24 da Constituição Federal.
Com efeito, recentes decisões judiciais ofertam interpretação ao disposto no artigo 31 da Lei nº 8.78/90 que conflitam com a proposta em apreço. A matéria versa sobre a possibilidade do uso do código de barras como equivalente à afixação dos preços diretamente nos produtos expostos à venda, quer dizer satisfazendo o disposto no Código de Defesa do Consumidor.
A tecnologia de código de barras tem sido amplamente utilizada pelo comércio varejista, notadamente os supermercados, com a finalidade de agilizar o processamento de mercadorias junto às caixas registradoras (PDVs). O código de barras é decodificado por um aparelho de leitura ótica, que indica o nome do produto e seu preço. Essa tecnologia permite, ainda, a automatização de inúmeras funções administrativas, como o controle de estoques e a produção de informações sobre a demanda dos diversos produtos e o perfil dos consumidores.
Em geral, os produtos dotados de código de barras não têm seus preços identificados nas respectivas embalagens, mas apenas nas prateleiras. Em alguns casos, o estabelecimento comercial disponibiliza alguns aparelhos de livre acesso, conhecidos como tira-teimas, que podem ser consultados pelo próprio consumidor.
A adoção dessa tecnologia na forma descrita suscitou junto aos órgãos e entidades de defesa do consumidor a questão de sua compatibilidade com o direito consumerista vigente no país.
Em 1998, provocado pelo Instituto Nacional de Defesa do Consumidor, o Diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça exarou despacho normativo no dia 20 de maio, determinando que:
"na OFERTA e PUBLICIDADE de produtos comercializados no território nacional, ficam os estabelecimentos comerciais obrigados a afixarem, o PREÇO À VISTA através de etiquetas ou similares, diretamente nos bens expostos à venda, fazendo constar os seus preços à vista em caracteres legíveis, independentemente de outra modalidade de pagamento. Existindo, no local sistema de código de barras, instituído pelo Decreto nº 90.595/84, é obrigatório, também, a afixação dos preços à vista, dos produtos correspondentes aos referidos códigos, de tal forma a evitar o constrangimento, quando do acesso ao consumidor ao caixa do estabelecimento para o devido pagamento do que adquire. Assim, todo e qualquer produto ofertado deve possuir o seu preço à vista, podendo constar de lista afixada na forma estabelecida acima, cujos valores deverão ser escritos em caracteres legíveis, desde que colocada em local que consumidor possa consultá-la independentemente de solicitação. No caso de exposição de bens, em vitrinas ou similares, o preço de venda deverá ser afixado nos mesmos, ou através de relação de preços no próprio local junto aos bens expostos, identificando o produto, sendo ambas as formas em caracteres legíveis e de fácil leitura."
Referido despacho foi objeto de recurso da Associação Brasileira de Supermercados, tendo sido referendado pelo Secretário e Direito Econômico em 10 de agosto de 1998 e pelo Ministro de Estado da Justiça em despacho de 13 de agosto do mesmo ano.
A legalidade do despacho foi questionada em diversas ações judiciais, todas com resultado negativo para seus autores. Há, atualmente, jurisprudência consolidada no sentido da obrigatoriedade de precificação individual de produtos submetidos à oferta pública no mercado de consumo.
Desta forma, não se pode admitir que o legislador local contrarie preceito genérico regularmente positivado no direito federal, o próprio Código de Defesa do Consumidor, na medida em que apresenta proposta que restringe a aplicação e autoridade de norma federal, especificamente artigo 31 e demais dispositivos da Lei nº 8.078, de 1990, vindo por via oblíqua a restringir direito básico do consumidor de acesso à informação.
É o que se verifica no texto aprovado por esse Parlamento, haja vista que admite a aposição do código de barras como instrumento destinado a informar a respeito do preço das mercadorias postas à venda em varejo, permitindo conduta em sentido contrário ao que foi estabelecido pelo Superior Tribunal de Justiça para o disposto no artigo 31 da Lei nº 8.078/90, como, por exemplo, no Mandado de Segurança nº 5.943 - Relatora: Min. Nancy Andrighi, DJU 27 de março de 2000; Mandado de Segurança nº 6.010 - Relator: Min. Garcia Vieira, DJU de 6 de dezembro de 1999; Mandado de Segurança nº 6.018 - Relator: Min. Francisco Falcão, DJU de 6 de dezembro de 1999.
Também deve-se considerar que proposta legislativa configura-se como medida de aplicação duvidosa por encerrar em seu bojo desigualdade de tratamento, o que, via de conseqüência, fere o princípio basilar da isonomia inscrito nas normas constitucionais. Isto porque, ao pretender estabelecer tratamento diferenciado aos comerciantes, no que concerne à afixação de preços e impondo que, de acordo com o princípio superior de respeito ao direito fundamental do consumidor de acesso à informação adequada e precisa sobre os preços, que no "comércio em geral" se proceda a sua afixação diretamente nas mercadorias expostas à venda, ressalvando apenas aos supermercados, auto-serviços e outros estabelecimentos onde o consumidor tenha acesso direto ao produto, a possibilidade de não terem estes que afixar a informação referente ao preço diretamente nos produtos.
Afinal, se realmente a indicação de preços pela forma preconizada no inciso II do artigo 1º do projeto fosse a mais correta e consentânea com o direito e a nossa realidade social, por que o legislador não a facultou na hipótese do "comércio em geral"?
Não se pode conceber que no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul estaria sendo efetivamente respeitado o direito do consumidor de ter acesso à informação precisa, com a fixação de preços diretamente nas mercadorias - que é a conduta que se exige do "comércio em geral", como dita o inciso I do artigo 1º do projeto, ao mesmo tempo em que se faculta aos supermercados e outros estabelecimentos comerciais, em seu inciso II, a adoção exclusiva de outros métodos.
Ademais destes argumentos, o exame da matéria comprova a inadequação da proposta aos regramentos do sistema constitucional vigente, pois configura ingerência indevida de um Poder na esfera de atuação de outro, esbarrando no princípio da independência e harmonia dos Poderes do Estado, consagrado no artigo 2º da Constituição Federal e no artigo 5º da Estadual.
A organização do serviço público de fiscalizar e aplicar multas no que se refere ao direito do consumidor é atividade administrativa que integra a atuação de órgãos tanto da administração pública federal como estadual, portanto, de competência privativa dos respectivos Chefes do Poder Executivo para legislar.
Normas que versem sobre o consumo, são de iniciativa comum dos Parlamentares e do Chefe do Poder Executivo, conforme a distribuição da competência legislativa concorrente, porém, o exercício da competência administrativa sobre proteção e defesa do consumidor, no tocante à correspondente regulamentação, fiscalização, aplicação de multas e controle, quando tratar de ações e serviços públicos, cabe ao Chefe do Poder Executivo.
Assim, sob a ótica constitucional, tendo em vista que a medida aprovada pelo Poder Legislativo impõe ações ao Executivo, de forma tácita, que são tipicamente de natureza administrativa, afetas aos órgãos estaduais, o projeto fere os comandos dos artigos 61, § 1º, inciso II, alínea "e", e 84, inciso VI, da Constituição Federal, e os artigos 60, inciso II, alínea "d", e 82, inciso VII, da Constituição Estadual.
É importante destacar que cumpre à Administração Pública definir o momento mais propício para implantar medidas, sem causar prejuízos a suas atribuições. Ao Poder Executivo é quem cabe sopesar suas disponibilidades para implantação de normas de conduta na sua esfera de atuação, sem prejuízo de suas rotinas.
O Poder Executivo, atento à relevância da matéria, está realizando estudos no âmbito de seus órgãos competentes para tratar da questão da afixação de preços nas mercadorias à venda em estabelecimentos comerciais de acordo com a legislação vigente, de forma a implementar medidas que atendam às metas da Administração Estadual, cujas respectivas ações serão realizadas no momento oportuno, sem acarretar prejuízo das demais atividades relacionadas com a gestão governamental.
Esta Administração reconhece a importância da ação constante do projeto, porém, sob o ponto de vista da conveniência e oportunidade, a forma como está apresentada no projeto de lei em tela necessita ser aperfeiçoada para atender a legislação federal.
A lei ordinária somente será dotada de positividade enquanto mantiver consonância com os comandos e princípios constitucionais. O dever que assumi de resguardar tais mandamentos me impede de sancionar a proposição aprovada por essa Casa Legislativa pelas razões de conveniência administrativa e de ordem constitucional apontadas, ocasião em que veto totalmente o Projeto de Lei nº 150/2000 e propicio a reapreciação da matéria por esse Poder, certo de que os nobres deputados, ao conhecerem dos motivos que me levaram a não acolher a proposta, reformularão seu posicionamento.
Na oportunidade, reitero-lhe minhas saudações.
Olívio Dutra
Governador do Estado
Excelentíssimo Senhor Deputado
Otomar Vivian,
Digníssimo Presidente da Assembléia Legislativa do Estado
Palácio Farroupilha
Nesta Capital