SOJA EM
GRÃO
RECURSO Nº 041/93 - ACÓRDÃO Nº 213/93
RECORRENTE: (...)
RECORRIDA: FAZENDA ESTADUAL (Proc. nº 00473-14.00/90.1)
PROCEDÊNCIA: ESTRELA - RS
EMENTA: IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES RELATIVAS À CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SOBRE PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE INTERESTADUAL E INTERMUNICIPAL E DE COMUNICAÇÃO (ICMS).
Impugnação a Auto de Lançamento.
Apropriação indevida de créditos fiscais.
Difere-se o pagamento do imposto para a etapa posterior nas saídas de soja em grão entre estabelecimentos localizados no Estado. A lei também define como etapa posterior a saída da mercadoria que total ou parcialmente não gerar débito de imposto (art. 2º, inc. X, § 1º, "a", Lei nº 6.485/72).
É responsável pelo imposto devido o contribuinte que tenha recebido mercadorias com diferimento do pagamento do imposto (art. 5º, inc. IV, Lei nº 6.485/72).
A imunidade do "ICM" não abrange as operações que precedem à exportação e, em conseqüência, aquelas operações devem ser submetidas à tributação via pagamento do imposto diferido. Uma vez devido o imposto, não cabe o creditamento, em "GIA", a título de repetição de indébito, do ICM pago, por responsabilidade, referentemente à aquisição de soja em grão, ao abrigo do diferimento, utilizado na fabricação de óleo e farelo, cuja saída ocorreu IMUNE (exportação).
Decisão singular confirmada. Recurso voluntário não provido. Unânime.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso voluntário, em que é recorrente (...), de Estrela (RS) e recorrida a FAZENDA ESTADUAL.
Em nome da contribuinte, acima identificada, foi lavrado, em 29.11.89 (ciência em 30.11.89, A.R.M.P nº 731069), o Auto de Lançamento nº 5988900255 (fl. 61), via do qual lhe foi exigido o pagamento de NCz$ 21.458.788,42 a título de ICMS, monetariamente corrigido e multa. O fato em infringência à legislação tributária de acordo com o "Anexo do Auto de Lançamento" (fls. 62 e 63) foi:
ICMS recolhido a menor nas saídas de mercadorias tributáveis, no período de agosto a outubro de 1989 (vencimentos: 28.09.89, 28.10.89 e 28.11.89 respectivamente), em decorrência da apropriação indevida de créditos fiscais do tributo, nas Guias de Informação e Apuração do ICMS (GIAs), a título de "CRÉDITOS POR REPETIÇÃO DE INDÉBITO DO ICM DIFERIDO RECOLHIDO INDEVIDAMENTE NOS MESES DE 11/84, 12/84 e 01/85, CORRIGIDOS MONETARIAMENTE, CFE. ART. 65 DO RICMS/RS".
Inconformada com o procedimento fiscal, a autuada, tempestivamente e por procurador habilitado, apresentou impugnação (fls. 03/48), requerendo o cancelamento da exigência contida no Auto de Lançamento em causa. Diz ter formulado "consulta" à Secretaria da Fazenda comunicando a apropriação dos créditos em expediente protocolado sob nº 14582-14.00/89.0, tendo sido objeto do exame pelo órgão competente que expediu parecer contrário ao creditamento, além de afirmar não produzir a consulta os efeitos previstos no art. 77 da Lei nº 6.537/73. Informa ter tomado conhecimento desta decisão, em 29.11.89, data da lavratura da peça fiscal, entendendo ser um procedimento pouco comum do Fisco, vez que, de regra, ainda que declarada ineficaz a consulta, deveria ter sido assegurado à contribuinte o direito de recolher a importância considerada devida, com os acréscimos de lei, porém sem a multa por infração fiscal.
Quanto aos valores creditados nas "GIAs", em 08, 09 e 10/89, a título de "repetição de indébito, monetariamente corrigido, sustenta a suplicante que após ter se sujeitado, por vários anos, ao recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM), dito de responsabilidade (sobre mercadorias - SOJA EM GRÃO - adquiridas com diferimento do pagamento do imposto, para emprego na fabricação de ÓLEO e FARELO, exportados ao abrigo da imunidade, até 28.02.89) entendeu ser este pagamento (no caso dos autos efetuado em 11/84 a 01/85) indevido e, nesta condição, objeto de repetição de indébito.. Defende a impugnante, em ampla exposição, que o diferimento ou postergação, no caso, é o da incidência do tributo "não obstante a lei dizer que difere-se o pagamento do imposto".
Na réplica fiscal (fls. 67 a 70) o autor do procedimento não modificou o seu entendimento concretizado na lavratura do ato impositivo, por ser indevido o creditamento, conflitando, flagrantemente com a legislação pertinente.
O Senhor Julgador Singular, em decisão (fl. 78), com fundamento nas razões expedidas no Parecer nº 47190008 (fls. 71 a 77) do Departamento de Processos Fiscais, órgão da Superintendência da Administração Tributária, julgou procedente o Auto de Lançamento objeto da demanda e condenou a autuada ao recolhimento dos valores lançados, a serem atualizados na forma da lei.
Contrária à interpretação adotada na decisão de primeira instância, a contribuinte, no prazo de lei e por seu procurador, apresentou recurso voluntário a este Tribunal, reproduzindo os argumentos já incluídos na inicial e requerendo a integral reforma da decisão atacada, com o reconhecimento do seu direito ao crédito acrescido de correção monetária e o cancelamento do lançamento (fls. 81 a 84).
A Defesa da Fazenda, representada pelo Dr. Galdino Bollis, no parecer de fl. 85, assim manifestou-se:
"Cuidam os Autos da repetição de indébito fiscal, monetariamente corrigido, que a recorrente diz ter direito, em decorrência de recolhimento indevido de imposto diferido, feito por ocasião de exportação de produtos industrializados.
Assevera, tanto na impugnação quanto no recurso, que a autuação improcede, porquanto no diferimento a incidência ocorre na etapa posterior, e como a saída subseqüente destinou produto industrializado para o exterior, inexistia obrigação tributária a satisfazer.
Cabe esclarecer, no entanto, em que pese o esforço dos defensores constituídos em verem esta tese vitoriosa, que a mesma não pode prosperar, eis que esta carece de fundamento legal e mesmo porque a jurisprudência assente nos tribunais é no sentido de não prover demandas que invoquem pressupostos da mesma natureza que os alegados no recurso.
Pelo desprovimento de recurso interposto."
É o relatório. Passo a oferecer o voto.
Em relação à CONSULTA esta constitui-se num procedimento especial (arts. 75 a 80 da Lei nº 6.537/73) distinto do processo contencioso. Aquele poderia produzir efeitos neste se a contribuinte comprovasse que ao tempo da lavratura do Auto de Lançamento estava amparada no art. 77 da referida lei. Não é o caso dos autos, porquanto reza o art. 78, do mesmo diploma legal, que as consultas não produzirão os efeitos previstos no art. anterior quando forem, meramente protelatórias, assim entendido as que versem sobre disposições claramente expressas na legislação. Cabe registrar, ainda, que a recorrente intimada a tomar ciência (intimação de 22.11.89, fl. 66) da decisão da consulta, no prazo de 24 horas, não cumpriu, esta determinação legal, sendo, em conseqüência, notificada, em 28.11.89, através de Aviso de Recebimento, entrega em mão própria (A.R.M.P), nº 731.039, da Empresa de Correios e Telégrafos, o que revela o seu desinteresse em recolher o imposto devido, contrariando a sua afirmativa na fl.03 da inicial.
O lançamento ora sob reexame, como bem descrito na peça básica reclama o pagamento do imposto, acrescido de multa e correção monetária, face a apropriação indevida de créditos fiscais do tributo, atualizados, monetariamente, nas GIAs de agosto a outubro de 1989, a título de repetição de indébito, por entender a contribuinte ter recolhido impropriamente, nos meses de novembro e dezembro de 1984 e janeiro de 1985, o ICM a qual tornou-se responsável pela aquisição, com diferimento do pagamento do imposto, de soja em grão, utilizado na fabricação de "óleo" e "farelo", exportados ao agasalho da imunidade.
A Lei nº 6.485, de 20.12.72 (DOE, 20.12.72), lei básica do ICM, em seu art. 2º (inc. X e alínea "a" do § 2º), até 28.02.89, assim estabelecia:
"Art. 2º - Ressalvado o disposto em convênios estaduais, celebrados na forma da legislação federal, difere-se o pagamento do imposto para a etapa posterior nas seguintes operações, realizadas entre estabelecimentos localizados neste Estado.
...
X - saída de soja em grão;
...
§ 1º - Para os efeitos do disposto neste artigo, considera-se etapa posterior:
a) a saída subseqüente da mercadoria, no mesmo estado ou submetida a processo de industrialização, que, total ou parcialmente, não gerar débito do imposto, salvo se ocorrer novo diferimento;
..."
Resta evidente, na leitura dos dispositivos legais acima transcritos, que no diferimento ocorre o fato gerador (a obrigação tributária nasce desde logo, quando da operação de circulação de mercadoria tipificada na lei como hipótese de incidência no caso dos autos, a saída do soja em grão do estabelecimento fornecedor ao estabelecimento da recorrente), apenas o pagamento do imposto é adiado para a etapa posterior.
De acordo com a legislação estadual, não se adia a ocorrência do fato gerador, mas apenas um dos efeitos da incidência que é o pagamento do imposto. A incidência ocorre desde logo, imediatamente após à ocorrência do fato gerador, adquirindo o Estado o direito à prestação tributária; os efeitos deste direito, a sua eficácia, o seu exercício é que foram suspensos, adiados ou retardados pelo diferimento. O direito à prestação do contribuinte ou responsável foi adquirido com a ocorrência do fato gerador; o seu exercício fica dependendo da etapa posterior.
Verifique-se, outrossim, que a Lei nº 6.485/72, no art. 5º, inc. IV, inclui entre as obrigações do contribuinte, a de recolher o imposto de que se tornou responsável em razão do diferimento:
"Art. 5º - São responsáveis pelo imposto devido:
...
IV - o contribuinte que tenha recebido mercadoria com diferimento do pagamento do imposto;
...".
Explicita, assim, a lei que não é a "etapa posterior" (que pode ser imune, como é o caso das saídas para o exterior do óleo e do farelo) o fato gerador da obrigação tributária: se fosse assim, o sujeito passivo teria relação direta e pessoal com o fato gerador (item I do parágrafo único do art. 121 da Lei nº 5.172/66 - "CTN") e não poderia ser chamada de RESPONSÁVEL. Ele será contribuinte do ICM em relação ao valor por ele adicionado que estiver sujeito ao imposto (então, sim, interessando se a operação está, ou não imune), porque nesta situação tem relação direta e pessoal com o fato gerador do imposto; em relação ao imposto diferido ele é RESPONSÁVEL, porque, não tendo tido relação direta e pessoal com as etapas anteriores, sua obrigação decorre de disposição de lei (item II do parágrafo único do art. 121 do "CTN").
Trata-se, portanto, de sujeição passiva indireta que a doutrina tem dividido em SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA - que "ocorre quando, em virtude de uma disposição expressa em lei, a obrigação surge desde logo contra uma pessoa diferente daquela que esteja em relação econômica com o ato, fato ou negócio jurídico" (Rubens Gomes de Souza) e TRANSFERÊNCIA TRIBUTÁRIA - que ocorre quando a obrigação tributária, depois de ter surgido contra uma pessoa determinada (que seria o sujeito passivo direto), entretanto, em virtude de um fato posterior, transfere-se para outra pessoa diferente (que será o sujeito passivo indireto). Ambos os casos, todavia, são tratados pelo Código Tributário Nacional, arts. 121, parágrafo único, II e 128, sob o título de "responsabilidade". Basta atentarmos para o fato de que não foi aquela pessoa em mãos de quem se encontravam a mercadoria quando da ocorrência da etapa posterior, quem teve relação pessoal e direta com a situação que constitui o respectivo fato gerador, e verificaremos que ocorre a "sujeição passiva indireta" e que o fato gerador da obrigação foi o anteriormente ocorrido, e não a etapa que - por imune - não poderia sê-lo.
"A imunidade ao ICM não abrange as operações que precedem à da exportação (diferimento) e, em conseqüência, aquelas operações devem ser submetidas à tributação via estorno de créditos fiscais e/ou pagamento do imposto diferido" (Acórdão nº 84.479, Primeira Turma, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL).
"A circustância de ser o produto industrializado destinado à exportação não obsta a incidência do ICMS, ainda que diferido, sobre a respectiva matéria-prima, segundo jurisprudência do Supremo Tribunal Federal" (Recurso extraordinário nº 79.448-RS, Segunda Turma, "STF").
Concluindo, os pagamentos efetuados pela contribuinte, nos meses de novembro e dezembro de 1985 e janeiro de 1986, relativamente ao ICM de responsabilidade pela aquisição de soja em grão utilizado na fabricação de "óleo" e "farelo" e exportados com imunidade do imposto, estavam previstos em lei (art. 2º, inc. X e alínea "a" do § 2º; art. 5º, inc. IV da Lei nº 6.485/72 e art. 7º, inc. X e alínea "a" do § 1º; art. 11, inc. IV do Decreto nº 29.809/80, Regulamento do ICM) e o creditamento, a título de repetição de indébito, nas GIAs de agosto a outubro de 1989, dos valores recolhidos, atualizados monetariamente, foi indevido, contrariando a legislação tributária pertinente, o que determinou a lavratura do Auto de Lançamento, com a exigência do ICMS que deixou de ser pago.
Por tais fundamentos, meu voto é pelo desprovimento do recurso voluntário.
Diante de todo o exposto, ACORDAM os membros da Primeira Câmara do Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais, por UNANIMIDADE DE VOTOS, em negar provimento ao recurso voluntário, confirmando a decisão de primeiro grau.
Porto Alegere, 28 de abril de 1993.
Levi Luiz Nodari
Relator
Sulamita Santos Cabral
Presidente
Participaram, também, do julgamento os juízes Antônio José de Mello Widholzer, Renato José Calsing e Vergílio Frederico Périus. Presente o Defensor da Fazenda, Galdino Bollis.