CRÉDITO FISCAL
RECURSO Nº 544/92 - ACÓRDÃO Nº 102/93
RECORRENTE: (...)
RECORRIDA: FAZENDA ESTADUAL (Proc. nº 14965-14.00/92.8)
PROCEDÊNCIA: PORTO ALEGRE - RS
EMENTA: IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES RELATI-VAS À CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS (ICMS)
Exigência de imposto e acréscimos legais pela utilização indevida de créditos destacados em Notas Fiscais que documentaram operações inexistentes.
Negado provimento ao recurso voluntário por unanimidade de votos.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso voluntário, em que é recorrente (...), e recorrida a FAZENDA ESTADUAL.
Em 24 de outubro de 1990, pelo Auto de Lançamento nº 7379000030, a empresa foi notificada a recolher ICM monetariamente corrigido e multa. Consoante a peça fiscal, a exigência decorre de recolhimento de ICM a menor, no mês de novembro de 1988, em virtude da utilização de pseudos créditos fiscais, constantes de Notas Fiscais emitidas por (...), que teria simulado operações de compra e venda de cereais em conluio com (...).
A autuada, insurgindo-se contra a ação fiscal, impugna o Auto de Lançamento postulando a sua total insubsistência. Para tanto, alega que a referidas operações teriam se realizado; que a compra e venda de cereais é do exercício de sua atividade; que as mercadorias foram retiradas de depósito da vendedora, em Três Coroas, por veículos de sua propriedade, cujas placas constam das referidas Notas Fiscais, tendo cada carga sido conferida e recebida por funcionário encarregado do setor; que os pagamentos foram efetuados através de três duplicatas, conforme registros; que as Notas Fiscais de aquisição das mercadorias foram devidamente registradas no livro fiscal próprio; e que nos meses seguintes as mercadorias foram vendidas aos seus clientes, sendo o principal "(...)" que opera o (...) e empresa sua interligada, da qual traz cópia dos livros fiscais onde se verifica a entrada das mercadorias a ela vendidas pela autuada. Acrescenta que diante do princípio da não-cumulatividade do imposto, verificada a regular inscrição do estabelecimento vendedor e emitidos os documentos exigidos em lei, tem direito ao crédito fiscal neles destacado, independentemente de ter a empresa vendedora recolhido tal imposto, cabendo à Fiscalização verificar se esta cumpriu com suas obrigações tributárias. Por fim, atribui o procedimento do fisco a meras presunções e cita jurisprudência.
A decisão de primeira instância de julgamento administrativo foi no sentido de manter integralmente a exigência consubstanciada no ato original, condenando a autuada a recolher as parcelas correspondentes. Forte na réplica fiscal e no parecer técnico, a primeira instância reitera a não realização das "operações" que deram origem aos valores lançados a crédito fiscal pela impugnante, pelas seguintes razões: a impossibilidade física do transporte da mercadoria pelos veículos e datas especificadas nas Notas Fiscais, tanto de Três Coroas a seus depósitos em Porto Alegre (com 6 (seis) caminhões, 7 (sete) viagens para cada um, com 250 sacos de carga, a uma distância de 200 km de ida e volta, tudo no dia 29.11.88), quanto da alegada revenda da mercadoria para (...), empresa do grupo (apenas 3 (três) veículos fazendo 50 viagens no dia 19.12.88); o recebimento, pelo funcionário encarregado, de várias cargas no dia 30.11.88 quando a lógica admite, no máximo, a última viagem de cada caminhão, no caso de não ter havido tempo para efetuar a descarga no mesmo dia. Por outro lado, não há provas de que o pagamento das 3 (três) duplicatas tenha sido efetivado à empresa fornecedora da mercadoria, pelo contrário, os cheques não foram nominais e o valor dos 2 (dois) últimos é exatamente 50% do valor de cada duplicata. Neste sentido, a primeira instância de julgamento refuta o argumento da impugnante de que o desconto teria sido em função da deflação, já que na réplica fiscal há demonstrativo onde, se admitindo a hipótese absurda da aplicação da tablita, ainda assim os valores ficariam bem acima do desconto dado (fls. 157 e 158 do Processo nº 20.451-14.00/90.5), sem olvidar do fato de que não foi considerada a correção monetária e aplicação de juros, já que os "pagamentos" foram efetuados com atraso. Observa, ainda, quanto aos dois últimos cheques, que estes foram apresentados no Banco (...) no dia da única operação feita pela recorrente com aquele Banco, o qual, quando indagado pelo Fisco, informou que o destino dos cheques "provavelmente" foi aplicação ao portador. Melhor informação houve quanto ao destino do primeiro cheque, que teria liquidado a primeira duplicata, apresentado que foi ao Banco (...): uma parte do valor total foi a favor de sócio da empresa e outra parte a ex-sócio e funcionário da empresa conforme demonstrativo na réplica fiscal (fls. 158 e 159 do proc. nº 20451-14.00/90.5). Informa, ainda, o juízo "a quo", que a empresa fornecedora praticava a transferência ilegal de créditos fiscais; que as transações que envolveram a recorrente foram todas realizadas no penúltimo dia antes que a legislação passasse a diferir o imposto nesse tipo de operação; e que toda a mercadoria que teria sido adquirida de (...), foi revendida, em seguida, para o (...), empresa do mesmo grupo.
Inconformada com a decisão, a recorrente interpôs recurso voluntário a este Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais, através do qual busca a reforma da decisão primária, com a decretação da total insubsistência da exigência fiscal a que foi condenada a pagar. Neste sentido, repisa os argumentos já expendidos na inicial, além de contestar os termos da decisão de primeira instância de julgamento administrativo-tributário. Afirma que não pode ser responsabilizada pelos atos praticados pela sua fornecedora, (...), e que lamenta não mais ser possível confrontar os documentos fiscais, eis que aquela empresa teria destruído os seus. Diz que as placas dos veículos constantes nos documentos fiscais não expressam a realidade, pois outros veículos da sua frota (42 caminhões) também efetuaram o transporte da mercadoria. Acrescenta que não revendeu toda a mercadoria para o (...) e que, dada sua estrutura e agilidade, é possível transferir a mercadoria nos moldes como o fez. Por último, traz ao processo cópias das duplicatas quitadas, dos Certificados de Propriedade dos seus veículos e de Notas Fiscais.
O Defensor da Fazenda, às fls. 244 e 245, manifesta-se pelo desprovimento do recurso voluntário. Entende que não só os fatos descritos pela instância anterior provam a impossibilidade de ter ocorrido a transferência física da mercadoria. Acrescenta que as Notas Fiscais de fls. 93 a 104 documentam 11 cargas de 14.700 kg (245 sacos) transportadas em um dia pelo caminhão de placas "OZ 7251", cuja capacidade é de 9.000 kg, conforme certificado de fl. 24. Aduz que as alegadas vendas da mercadoria a terceiros, em que pese a juntada das Notas Fiscais de fls. 143 a 241, representam apenas 4.962,5 kg de feijão e 3.870 kg de arroz; enquanto que para (...) foram "vendidos", no dia 19.12.88, 339.600 kg de feijão e 345.000 kg de arroz.
É o relatório. Passo a prolatar o voto.
O fulcro de toda a questão reside no fato de se admitir, ou não, a efetiva ocorrência das operações documentadas pelas Notas Fiscais que deram origem à glosa dos créditos fiscais no estabelecimento da recorrente.
Em uma análise superficial, quanto à forma, aparente-mente não se vislubrariam maiores irregularidades. E é neste ponto que a recorrente centra toda sua defesa, quando diz que todas as operações foram devidamente documentadas, que as duplicatas foram liquidadas, que a empresa fornecedora estava atuando regularmente e que o Fisco agiu por presunção.
Contudo, não há como deixar de registrar que o procedimento acusado na peça fiscal não foi de exclusividade da recorrente, já que outras empresas incorreram na mesma prática em conluio com empresas que estavam sob o controle da mesma pessoa. Não que isto seja elemento basilar para afirmar que as operações de que trata a espécie não chegaram a se realizar. Mas, integra o conjunto probatório que deve ser considerado na formação do convencimento acerca dos fatos aqui relatados. E o que exsurge dos autos é que as operações que deram origem à autuação não se realizaram, tudo não passando de simulação, levada a efeito em conluio com a empresa (...).
A recorrente, em um primeiro momento, para tentar gerar o convencimento de que as operações teriam ocorrido, afirma que tudo foi devidamente documentado e que estes documentos fiscais retratariam a realidade dos fatos. No entanto, depois, quando ficou clara a impossibilidade de ter ocorrido a transferência física da mercadoria no tempo e na forma descrita naquelas Notas Fiscais, informa que aqueles dados não retratariam a realidade dos fatos.
Quanto aos pagamentos à fornecedora, que teriam sido feitos através da liquidação de 3 (três) duplicatas, também ficaram descaracterizados, já que em momento algum a recorrente comprovou que a fornecedora recebeu os valores correspondentes. Pelo contrário, de acordo com o detalhado demonstrativo constante na réplica fiscal (fls. 158 a 160 do processo nº 20.451-14.00/90.5), mostrou a autoridade autuante que o cheque que teria liquidado a primeira duplicata foi destinado a sócio e funcionário da recorrente e os outros dois cheques, que teriam liquidado as outras duplicatas, foram apresentados ao Banco (...), em 05.05.89, data em que a (...) efetivou sua única operação financeira naquele estabelecimento bancário, o qual informou que o real destino dos cheques, "provavelmente" foi aplicação ao portador. Aliás, os 3 (três) cheques foram emitidos ao portador e os dois últimos têm exatamente a metade do valor constante nas duplicatas, cujos descontos não se justificam, como já ficou demonstrado nos autos. Diante de tudo isso, detalhadamente demonstrado tanto na réplica fiscal como no parecer técnico, em grau de recurso voluntário, nada acrescentou a recorrente.
Prosseguindo, clara também restou a impossibilidade física de ter havido a revenda da mercadoria aos seus clientes, nos moldes como detalham os documentos fiscais apresentados pela recorrente. Neste sentido, ao que se extrai dos autos e com base na precisa informação do ilustre Defensor da Fazenda (fls. 244 e 245), foram irrisórias as vendas realizadas a outros clientes. Na verdade, o destino de toda a mercadoria "comprada" da (...), foi "(...)", empresa que, como já foi dito, é do mesmo grupo empresarial da recorrente e controla (...).
Nesses termos e afora outros aspectos anteriormente relatados, verifica-se que as operações aqui discutidas não existiram. Em assim sendo, o crédito fiscal adjudicado por conta das Notas Fiscais que as "documentaram" também não existe, sendo legítima a exigência do imposto recolhido a menor pela utilização desses valores na conta corrente fiscal. Assim, procedendo a exigência tributária lançada pelo Auto de Lançamento nº 7379000030, foi adequada a decisão singular ao manter inalterados os valores originalmente lançados.
Por todo o exposto, meu voto é pelo desprovimento do recurso voluntário.
ACORDAM os membros da Segunda Câmara do Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso voluntário, mantendo inalterada a decisão recorrida.
Porto Alegre, 16 de fevereiro de 1993.
Renato José Calsing
Relator
Rômulo Maya
Presidente
Participaram, também, do julgamento os juízes Oscar Antunes de Oliveira, Arnaldo Teixeira Teles e Pedro Paulo Pheula. Presente o Defensor da Fazenda, Gentil André Olsson.