IMPACTOS DO ALCOOLISMO NO AMBIENTE DE TRABALHO
Sumário
1. Introdução;
2. Conceito De Embriaguez;
3. Organização Mundial De Saúde (OMS);
3.1. Embriaguez Habitual Ou Embriaguez Em Serviço;
4. Saúde Como Direito Fundamental;
5. Função Social Da Empresa;
5.1. Rescisão Sem Justa Causa;
5.2. Rescisão Por Justa Causa;
6. Consequências Do Alcoolismo No Ambiente De Trabalho;
6.1. Atrasos E Ausências Prolongadas;
6.2. Comportamento E Condições Pessoais Alterados;
6.3. Absenteísmo;
6.4. Alteração Na Qualidade Do Trabalho;
6.5. Relacionamento Interpessoal Prejudicado.
1. INTRODUÇÃO
Por muitos anos o alcoolismo foi considerado uma fraqueza moral e os alcoólatras tidos como pessoas viciados, indecentes, que viviam em desacordo com as regras da sociedade.
No entanto, atualmente, o alcoolismo é reconhecido como doença crônica pela OMS (Organização Mundial da Saúde), que recomenda que o assunto seja tratado como questão de saúde pública, já que é um problema que afeta a todos.
Aqueles que abusam do álcool acabam sendo acometidos de várias doenças, o que interfere significativamente na sua qualidade de vida.
Além disso, o consumo demasiado de bebidas alcoólicas acaba sendo responsável por grande parte dos atos de violência e acidentes dos mais variados, desde os ocorridos no trânsito até acidentes do trabalho.
Portanto, a dependência do álcool afeta não somente o próprio individuo, mas repercute em todo o seu círculo de convivência, tanto nas relações interpessoais quanto nas de trabalho.
Muitas vezes, o empregado, além de ter seu relacionamento com os colegas de trabalho afetado, também acaba tendo problemas com seu desempenho laborativo.
2. CONCEITO DE EMBRIAGUEZ
A embriaguez é o estado causado pela ingestão de bebidas alcoólicas, que provoca a alteração do discernimento e do estado psicológico da pessoa, afetando seus sentidos e colocando a sua integridade física e a de terceiros em risco.
O uso constante, descontrolado e progressivo de bebidas alcoólicas pode levar o indivíduo a desenvolver o alcoolismo, que é a dependência do álcool, considerada como doença pela OMS, também conhecido como "síndrome da dependência do álcool".
Além de poder acarretar inúmeras consequências físicas, já que compromete seriamente o bom funcionamento do organismo, o alcoolismo pode gerar prejuízos para as relações sociais e profissionais do indivíduo, afetando o seu relacionamento com a família, amigos e colegas de trabalho.
Especificamente quanto ao ambiente de trabalho, a embriaguez pode resultar na ocorrência de acidentes e até mesmo de conflitos, uma vez que o consumo de álcool causa alteração dos reflexos e redução da capacidade de percepção e cognição do indivíduo.
3. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS)
A OMS (Organização Mundial da Saúde), agência especializada subordinada à Organização das Nações Unidas (ONU), foi criada em 1948 com o objetivo de desenvolver o nível de saúde de todos os povos.
A OMS é responsável pela publicação da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, que atualmente está na 10ª edição, a CID-10.
Para a OMS (2013), a embriaguez é toda forma de ingestão de álcool que excede ao consumo tradicional, aos hábitos sociais da comunidade considerada, quaisquer que sejam os fatores etiológicos responsáveis e qualquer que seja a origem desses fatores, como por exemplo, a hereditariedade, a constituição física ou as alterações fisiopatológicas adquiridas.
Portanto, o alcoolismo é uma doença que gera compulsão, dependência física, já que há dificuldade de controle do consumo, retirando do dependente a capacidade de discernimento sobre seus atos.
Por essa razão, considerando a responsabilidade social da empresa, se a empresa identificar a ocorrência da doença em seus empregados, o procedimento adequado seria o encaminhamento do empregado para assistência médica e consequente afastamento pelo INSS para percepção de auxílio-doença, após o pagamento dos 15 primeiros dias do atestado médico, nos termos do artigo 75 do Decreto n° 3.048/1999.
A doença, porém, deve ser confrontada com o eventual uso abusivo do álcool, ou seja, se o empregado for alcoólatra, a empresa deverá encaminhá-lo para o tratamento médico adequado, enquanto que, se o empregado, não acometido da doença, comparecer embriagado para trabalhar, poderá ser dispensado por justa causa.
3.1. Embriaguez Habitual ou Embriaguez em Serviço
A embriaguez habitual ou em serviço é uma das hipóteses de rescisão por justa causa prevista no artigo, alínea ‘f’ da CLT.
No entanto, apesar da previsão da legislação, atualmente, o alcoolismo (embriaguez habitual) é considerado como uma doença, razão pela qual, o empregado não pode ser dispensado.
Assim, é imprescindível que o empregador consiga distinguir entre um empregado doente, ou seja, que sofre de alcoolismo e outro que comparece para trabalhar embriagado.
A embriaguez habitual é reconhecida como uma enfermidade, na qual o indivíduo sofre com a vontade incontrolável de consumir bebidas alcoólicas e a ingestão ocorre de forma reiterada e contínua, causando transtornos mentais e comportamentais.
Já a embriaguez eventual ou em serviço é uma conduta passível de punição, já que se verifica o consumo imprudente de bebidas alcoólicas, de maneira ocasional e intencional.
Assim, se o consumo de bebidas alcoólicas ocorrer no ambiente de trabalho, durante o horário de trabalho ou se o empregado se apresentar embriagado para o trabalho, ficará passível de punição, inclusive, dispensa por justa causa, como previsto no artigo 482, alínea ‘f’ da CLT.
De qualquer maneira, independente da situação, a apresentação do empregado ao trabalho sob influência do álcool afeta diretamente o desempenho das atividades laborativas, podendo gerar acidentes de trabalho, conflitos no ambiente de trabalho, bem como prejuízos ao empregador e a quebra da confiança que deve permear a relação de trabalho.
Em 2012, foi proposto, no Senado Federal, o Projeto de Lei n° 083/2012, que tinha por objeto excluir a embriaguez habitual das hipóteses de dispensa por justa causa, quando comprovado clinicamente o alcoolismo crônico, disciplinar a demissão e estabelecer garantia provisória de emprego ao alcoolista.
O referido Projeto, entretanto, foi arquivado em dezembro/2018, quando se encerrou a legislatura do Senador que fez sua propositura.
4. SAÚDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL
A garantia à saúde é um dos direitos previstos na Constituição Federal de 1988.
Assim, conforme o artigo 6º, da CF/88, a saúde é um direito fundamental de todos os cidadãos que residem em nosso país.
No mesmo sentido, inclusive, prevê o artigo 196 da CF/88:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Desta forma, uma vez que o alcoolismo é considerado uma doença crônica pela OMS, que influencia na capacidade de discernimento do indivíduo, a empresa e o Estado são responsáveis por garantir que tenha um tratamento adequado.
Portanto, para o empregado acometido do alcoolismo se adota o mesmo procedimento de outras doenças, ou seja, a empresa paga os 15 primeiros dias e a partir do 16º dia encaminha o empregado para a Previdência para recebimento do auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença), nos termos dos artigos 72, inciso I e 75 do Decreto n° 3.048/1999.
Em caso de internamento e impossibilidade de locomoção até uma agência do INSS, o segurado poderá solicitar a realização da perícia médica junto à clínica em que estiver, por analogia ao artigo 46, § 7º do Decreto nº 3.048/1999.
Atualmente também existe a possibilidade de realização do exame remoto, nos termos do artigo 3º e artigo 4º, inciso II da Portaria MTP nº 673/2022, em que é feita a análise do atestado médico, sem necessidade de ser realizado o exame médico pericial presencial.
5. FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA
Muito se ouve falar sobre a função social da empresa.
O conceito de função social da empresa significa que além do objetivo econômico, de obtenção de lucros, também deve haver a preocupação de garantia dos direitos fundamentais dos empregados e da sociedade, como um todo, junto com o Estado.
Portanto, as empresas não devem atender somente aos interesses dos sócios, mas da coletividade.
Sendo assim, é dever social da empresa, reconhecendo a existência de empregado acometido da doença do alcoolismo, orientá-lo para que se afaste do trabalho e tenha um tratamento médico adequado ao invés de optar por uma dispensa sem justa causa, por exemplo.
Desta forma, tendo em vista a gravidade da doença do alcoolismo, a empresa deve ajudar o empregado a se tratar e não lhe aplicar punição.
5.1. Rescisão Sem Justa Causa
A dispensa sem justa causa é uma modalidade de rescisão que se dá sem razão específica e é de iniciativa do empregador.
Neste caso, o empregador pode rescindir o contrato de trabalho com o empregado a seu critério, sem apresentar justo motivo para isso.
Em relação aos empregados acometidos do alcoolismo, a empresa deve ter cautela para aplicação de uma eventual dispensa sem justa causa, para que a rescisão não se configure como discriminatória.
Ademais, considerando a função social da empresa, o entendimento é de que antes de optar pela rescisão, cabe ao empregador tentar encaminhá-lo para um tratamento médico adequado.
De qualquer forma, independente do motivo, o empregado só pode ser dispensado se for considerado “apto” no exame demissional, nos termos da NR 07.
5.2. Rescisão Por Justa Causa
A dispensa por justa causa ocorre quando o empregado incorre em uma das condutas faltosas previstas no artigo 482 da CLT.
É um tipo de dispensa que se aplica em razão da gravidade da falta cometida pelo empregado, que causa séria violação às obrigações contratuais.
A dispensa por justa causa é a penalidade máxima dentro da relação de emprego, repercutindo negativamente nas verbas rescisórias, razão pela qual exige que seja aplicada com cautela e avaliação criteriosa na verificação dos requisitos exigidos para sua configuração.
Dentre as hipóteses previstas, a alínea ‘f’ do referido artigo menciona a embriaguez habitual ou em serviço.
No entanto, é importante que a empresa consiga distinguir entre um empregado doente, acometido do alcoolismo e outro que simplesmente comparece embriagado para trabalhar.
Assim, há diferença entre a patologia e aquele trabalhador que eventualmente chega para trabalhar sob efeito de álcool.
Sendo assim, como o alcoolismo é classificado como doença, entende-se que ao invés da aplicação da dispensa por justa causa, o empregador deve encaminhar o empregado para tratamento médico.
Deste modo, a dispensa por justa causa, nesse caso, pode ser considerada como ato discriminatório e ocasionar indenização por danos morais, por analogia à Súmula nº 443 do TST, abaixo transcrita:
SUM – 443. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO. Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.
Além disso, o alcoolismo é uma doença que consta na Classificação Internacional de Doenças (CID), o que impede a rescisão por justa causa, ou seja, o empregado não pode ser dispensado por justa causa quando estiver efetivamente doente.
6. CONSEQUÊNCIAS DO ALCOOLISMO NO AMBIENTE DE TRABALHO
O alcoolismo é uma das causas de absenteísmo (ausência ou atraso habitual ao trabalho, bem como, de acidentes de trabalho, afastamento por auxílio-doença e até aposentadorias por invalidez.
Além disso, a embriaguez é um mau exemplo para os demais trabalhadores e pode gerar perturbação no ambiente do trabalho, causando prejuízos à empresa e aumentando a probabilidade da ocorrência de acidentes de trabalho e até de conflitos.
6.1. Atrasos e Ausências Prolongadas
O empregado acometido do alcoolismo, muitas vezes, utiliza o horário de intervalo para descanso e alimentação para a ingestão de bebidas alcoólicas e acaba desrespeitando o limite de tempo deste, previsto no artigo 71 da CLT, conforme cada jornada de trabalho diária.
O alcoolismo também pode motivar atrasos constantes e saídas antecipadas, fazendo com que o empregado não cumpra integralmente sua jornada de trabalho.
6.2. Comportamento e Condições Pessoais Alterados
A ingestão de bebidas alcoólicas altera o comportamento do empregado, causando alterações psicológicas, de humor, fazendo com que o indivíduo fique confuso, desconcentrado e até agressivo, além do descuido com condições de higiene pessoal e da aparência.
6.3. Absenteísmo
Absenteísmo é o padrão habitual de ausências do empregado ao trabalho, em razão de faltas, saídas antecipadas ou atrasos, em geral não justificadas ou até mesmo em razão da apresentação de um número significativo de atestados em um período curto de tempo, em geral em decorrência do alcoolismo.
É comum que o empregado acometido do alcoolismo acabe se ausentando do trabalho aos finais de semana ou prolongando feriados.
6.4. Alteração na Qualidade do Trabalho
O estado de embriaguez interfere diretamente no desempenho das atividades exercidas pelo empregado, já que até a ingestão de pequenas quantidades de bebida alcoólica pode acarretar problemas cognitivos, motores e de memória, reduzindo a sua produtividade e comprometendo a qualidade do seu trabalho.
6.5. Relacionamento Interpessoal Prejudicado
O alcoolismo interfere também nos relacionamentos interpessoais do indivíduo, tanto em âmbito familiar quanto no ambiente de trabalho, já que poderá haver um comportamento agressivo, que resulta em conflitos com colegas e até mesmo desrespeito às ordens dos superiores.
Outra situação comum é o fato do doente se sentir inferiorizado e com vergonha, não desenvolvendo relacionamentos no ambiente de trabalho, ou seja, o empregado fica isolado, não interagindo com os colegas, o que também pode interferir no desempenho do trabalho.
Fundamentos Legais: Os citados no texto, conforme legislação vigente à época da publicação.
Outubro/2022