LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO
Cessação de benefício e impossibilidade de retorno ao trabalho
Sumário
1. Introdução;
2. Conceito De Limbo Jurídico Previdenciário;
3. Perícia Médica;
4. Prorrogação De Benefício;
5. Retorno Ao Trabalho Após A Cessação Do Benefício;
6. Exame De Retorno;
7. Entendimento Sobre Pagamentos Pelo Empregador;
8. Caso Hipotético De Limbo Jurídico Previdenciário;
9. Jurisprudência.
1. INTRODUÇÃO
O afastamento dos empregados em razão de doenças, decorrentes do trabalho ou não, é comum.
No entanto, algumas situações que podem resultar desses afastamentos não têm previsão na legislação.
Uma dessas é o chamado ‘limbo jurídico laboral previdenciário’, que é o período em que não há consenso entre o empregador e o INSS sobre a aptidão do trabalhador para o retorno às suas atividades laborais.
Isso acontece porque, após a alta do INSS, ao ser submetido ao exame de retorno, o empregado é considerado inapto para voltar ao trabalho e em razão disso, o empregador não retorna o trabalhador às suas atividades e, consequentemente, não volta a pagar seu salário.
Muitas vezes o empregado não é submetido a nova perícia para encerramento do benefício, sendo aplicada a chamada ‘alta programada’, prevista na Lei nº 13.457/2017, ou seja, não é realizada uma perícia médica para verificação se o período do afastamento foi, de fato, suficiente para a recuperação do trabalhador.
Neste caso, o empregado fica sem receber remuneração do empregador e sem receber benefício previdenciário e, por não existir previsão em legislação a respeito, é que se chama o período de limbo.
2. CONCEITO DE LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO
Limbo Jurídico Previdenciário, de acordo com a doutrina e a jurisprudência brasileira, é a situação que ocorre quando o empregado recebe alta do benefício previdenciário por incapacidade temporária (auxílio-doença), mas é considerado inapto no exame de retorno ao trabalho, feito pelo médico do trabalho.
Assim, apesar de ser considerado apto para trabalhar pelo INSS, o médico do trabalho, na avaliação médica realizada por conta do exame de retorno, considera o trabalhador incapacitado e não permite que retome suas atividades laborais.
O período em que o empregado fica sem poder trabalhar (por ser considerado inapto no exame de retorno) e sem receber benefício do INSS em razão da alta, é o chamado ‘limbo jurídico laboral previdenciário’.
3. PERÍCIA MÉDICA
Quando o empregado apresenta um atestado médico superior a 15 dias, cabe ao empregador o pagamento dos 15 primeiros dias e a partir do 16º dia, se quiser receber pelo período, deverá requerer o benefício por incapacidade temporária junto à Previdência, conforme artigo 75 do Decreto nº 3.048/1999.
Neste caso, nos termos do § 2º do referido artigo, em caso de atestado médico superior a 15 dias, o segurado será encaminhado à perícia médica do INSS, ou seja, será submetido à avaliação pericial por profissional médico integrante dos quadros do INSS ou de órgãos e entidades públicos que integrem o SUS, ressalvados os casos em que for admitido o reconhecimento da incapacidade pela recepção da documentação médica do segurado.
Desta forma, de um modo geral, a comprovação da incapacidade para o trabalho deve ser feita através de exame realizado pela perícia médica da Previdência Social e será um dos requisitos para reconhecimento do direito a benefício previdenciário, como previsto no artigo 410 da IN INSS n° 77/2015.
Caso o segurado não possa comparecer no dia marcado para a realização da perícia, poderá requerer a remarcação, por uma vez, conforme artigo 411 da IN.
O artigo 410-A da IN INSS n° 77/2015 prevê que a avaliação médico-pericial é parte integrante da fase instrutória do processo concessório do benefício por incapacidade, como por exemplo, auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e/ou auxílio-acidente, devendo ser registrada no laudo médico constante do SABI (Sistema de Acompanhamento de Benefício por Incapacidade).
No entanto, não é obrigatória a formalização prévia do processo administrativo para a realização da perícia médica nos casos de auxílio-doença.
Durante a perícia, o segurado poderá apresentar mais informações sobre seu estado de saúde, como, por exemplo, o seu quadro médico e possíveis sequelas e, ainda, poderá indicar o tratamento recomendado pelo médico particular para a sua doença.
O perito médico irá analisar os dados apresentados pelo segurado, porém estes não serão determinantes por si só para o resultado da perícia, já que os casos são analisados individualmente.
Cabe ao perito médico, caso ache necessário, solicitar ao Médico Assistente do beneficiário o fornecimento de informações relativas a possíveis doenças pré-existentes, conforme disposto no § 2° do artigo 43 e no § 1° do artigo 71, ambos do Decreto n° 3.048/1999 ou para subsidiar emissão de laudo médico pericial conclusivo.
Conforme parágrafo único do artigo 410 da IN INSS nº 77/2015, Médico Assistente é o profissional responsável pelo diagnóstico, tratamento e acompanhamento da evolução da doença do paciente.
4. PRORROGAÇÃO DE BENEFÍCIO
A possibilidade do segurado requerer a prorrogação do seu benefício previdenciário, quando não se considerar apto para retornar ao trabalho, está prevista no artigo 304, § 2°, inciso I da IN INSS n° 77/2015.
A solicitação da prorrogação pode ser feita quantas vezes o segurado entender necessário, desde que realizada no prazo de até 15 dias antes da data prevista para término do benefício.
Assim, de acordo com a referida legislação, o Pedido de Prorrogação (PP) é a possibilidade de o segurado solicitar uma nova avaliação médica junto ao perito do INSS, tendo em vista que se julga inapto ao retorno às atividades laborais.
O objetivo do pedido de prorrogação é evitar que o auxílio-doença cesse antes do segurado estar plenamente recuperado, o que será comprovado através da realização de uma nova avaliação junto ao perito médico do INSS.
O requerimento do pedido de prorrogação poderá ser feito através do site da Previdência Social, do aplicativo ‘Meu INSS’ ou pelo telefone 135.
Em caso de agendamento de nova perícia com fins de prorrogação de benefício, o cancelamento somente poderá ser realizado em uma agência do INSS.
5. RETORNO AO TRABALHO APÓS A CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO
Durante o afastamento em razão de benefício previdenciário por incapacidade temporária (auxílio-doença), o contrato de trabalho fica suspenso, como determina o artigo 476 da CLT e o artigo 63 da Lei n° 8.213/1991.
Encerrado o benefício sem que haja qualquer prorrogação pela Previdência ou decisão judicial determinando o seu restabelecimento, o empregado deverá fazer o exame médico de retorno ao trabalho, em caso de afastamento de 30 dias ou mais e voltar às suas atividades laborais.
Ainda, nos casos em que a perícia médica do INSS estiver agendada para data posterior ao término do atestado médico, o empregado, desde que se considere em condições para trabalhar, poderá retornar às suas atividades enquanto aguarda a avaliação pericial, como prevê o § 6° do artigo 75 do Decreto n° 3.048/1999.
Assim, o empregado poderá voltar ao trabalho no dia seguinte ao término do atestado, mas deverá comparecer ao dia agendado para a perícia do INSS, para que receba o benefício previdenciário referente aos dias em que esteve afastado.
6. EXAME MÉDICO DE RETORNO
O exame médico de retorno ao trabalho, como determina o subitem 7.4.3.3 da NR 07 (Norma Regulamentadora nº 7), que trata do PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional), é obrigatório em caso de afastamento igual ou superior a 30 dias por motivo de doença ou acidente.
Na realização do exame de retorno, o médico do trabalho faz a avaliação do trabalhador e verifica se o mesmo está ou não em condições de retornar às suas atividades.
Sendo considerado apto, o empregado retoma suas atividades laborais; sendo considerado inapto, o empregado é orientado a buscar novamente o benefício previdenciário, já que a empresa só voltará a pagar seu salário quando efetivamente retornar ao trabalho.
7. ENTENDIMENTO SOBRE PAGAMENTOS A SEREM FEITOS PELO EMPREGADOR
A legislação não tem nenhuma previsão quanto aos procedimentos a serem adotados pelos empregadores nos casos em que o empregado recebe alta do benefício pelo INSS, mas é considerado inapto no exame de retorno ao trabalho.
Em razão da ausência de legislação sobre o assunto, existem dois entendimentos sobre como os empregadores devem proceder quando o empregado é considerado apto para trabalhar pelo INSS, mas inapto pelo exame de retorno.
De acordo com o primeiro entendimento, após a alta pelo INSS o empregado deve ser submetido ao exame médico de retorno, como determinado no subitem 7.4.3.3 da NR 07 e, sendo considerado inapto pelo médico do trabalho, entraria no chamado ‘limbo jurídico previdenciário’, já que o empregador não estará obrigado a pagar seu salário, por não haver prestação de serviço, mas também não haverá pagamento de benefício previdenciário, por já ter sido encerrado.
Esse entendimento se baseia no cumprimento da NR 07, segundo a qual, se no exame de retorno for constatada a incapacidade laborativa do empregado, o mesmo não poderá retomar suas atividades.
O segundo entendimento, que é o que vem sendo adotado na jurisprudência recente, é de que ao empregador não é dado o direito de recusar o retorno do trabalhador às suas atividades, após a alta médica do INSS, sob o fundamento de ter sido considerado inapto no exame de retorno pelo médico do trabalho.
Neste caso, entende-se que a empresa não poderia impedir o empregado de retornar ao trabalho após a alta e, não concordando com esta, deverá recorrer da decisão da autarquia previdenciária e eliminar a presunção de capacidade atestada pelo médico oficial, fazendo valer a posição do seu médico.
A alta previdenciária é um ato administrativo com presunção de legitimidade e veracidade e cabe ao empregador, demonstrar que, ao contrário do entendimento do INSS, o empregado ainda se encontra inapto para o exercício de suas atividades e deve continuar recebendo benefício previdenciário.
Deste modo, o empregador deverá informar a sua conclusão ao INSS, de forma fundamentada e acompanhada de relatório médico e o empregado deverá apresentar recurso administrativo com a finalidade de restabelecimento do benefício.
Caso o recurso seja rejeitado e o INSS mantenha a decisão quanto à alta previdenciária do empregado, é possível ao empregador ingressar com ação judicial para desconstituir a alta médica indevida.
Sendo revertida a decisão do INSS na esfera judicial, o empregador poderá se valer de ação regressiva contra o órgão para se ressarcir dos valores eventualmente pagos ao empregado.
Assim, de acordo com o segundo entendimento, o empregador não pode simplesmente recusar o retorno do empregado ao trabalho e deixar de pagar seu salário, tendo ciência de que o benefício previdenciário foi encerrado e de que o mesmo depende da remuneração para seu sustento.
Diante da recusa do empregador em acatar o retorno do empregado ao trabalho, o trabalhador poderá ingressar com uma reclamatória trabalhista, cabendo ao juiz da causa, neste caso, analisar o caso concreto.
A jurisprudência recente e predominante segue no sentido de que o empregador é responsável pelo empregado após a aptidão constatada pelo INSS, devendo promover o seu retorno às atividades e o pagamento do salário, quando incorrer no chamado ‘limbo jurídico laboral previdenciário’.
8. CASO HIPOTÉTICO DE LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO
Empregada acometida de problema de saúde, com atestado médico de 60 dias.
A empresa fez o pagamento dos 15 primeiros dias de afastamento, como determina o artigo 75 do Decreto nº 3.048/1999 e encaminhou a trabalhadora para perícia do INSS para concessão do benefício por incapacidade temporária (auxílio-doença).
O benefício foi concedido com alta programada para a data de término do atestado médico.
Próximo da data prevista para o encerramento do benefício, a empregada, sentindo que ainda não estava em condições de retornar ao trabalho, requereu a prorrogação do auxílio-doença, mas esta foi indeferida.
Diante da negativa do INSS, no dia seguinte ao término do atestado/benefício, a empregada foi submetida a exame de retorno ao trabalho e foi considerada inapta para retomar suas atividades laborativas.
Com o ASO de inaptidão, a empresa não permitiu que a empregada voltasse ao trabalho.
Assim, a empregada não receberá o benefício previdenciário, tendo em vista o indeferimento da prorrogação pelo INSS e também não poderá retornar ao trabalho, uma vez que foi considerada inapta pelo médico do trabalho.
Com isso, a empregada ficará afastada do trabalho, sem nenhum amparo, pelo INSS ou pelo empregador, caracterizando o chamado Limbo Jurídico Previdenciário.
9. JURISPRUDÊNCIA
RECURSO ORDINÁRIO. LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO. NÃO CARACTERIZADO. No limbo jurídico previdenciário, aperfeiçoa-se a conduta ilícita da empregadora quando deixa de realocar o recorrido ao seu emprego após a alta do INSS, então optando convenientemente em deixa-lo no limbo para se desvencilhar da sua obrigação. Todavia, o caso da autora não se enquadra nesta hipótese, pois os laudos médicos juntados por ela demonstram claramente a sua incapacidade laborativa no período indicado. (TRT 1ª Região, RO 01014069420195010018 RJ, 2ª Turma, Rel. Valmir de Araujo Carvalho, julgamento 19/04/2021, publicação 06/05/2021)
RECURSO ORDINÁRIO. LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO. Tem-se configurado o chamado limbo jurídico previdenciário, o período em que o empregado não goza de auxílio previdenciário e é afastado do trabalho por recomendação médica da própria empresa. (TRT 1ª Região, RO 01016926320175010076 RJ, 6ª Turma, Rel. Leonardo da Silveira Pacheco, julgamento 22/02/2021, publicação 26/02/2021)
LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO. Havendo negativa da entidade previdenciária em conceder afastamento e discordância do médico do trabalho da empregadora, cabe à empresa arcar com os salários devidos ao trabalhador. (TRT 2ª Região, 1000253112019502003 SP, 17ª Turma, Rel. Maria de Lourdes Antonio, publicação 27/08/2020)
LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. SALÁRIOS INDEVIDOS. Para configurar o denominado limbo jurídico previdenciário, faz-se necessária a prova de que a ré proibiu o retorno do empregado ao labor após a cessação do benefício previdenciário. Tendo em vista que a referida circunstância não restou evidenciada no presente caso, não há que se falar em pagamento de salários do período. Recurso do reclamante ao qual se nega provimento, no particular. (TRT 2ª Região, 10021237820155020314 SP, 11ª Turma, Rel. Sergio Roberto Rodrigues, publicação 28/01/2020)
SALÁRIOS. LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO. RESPONSABILIDADE. Há cessação do benefício previdenciário pela alta previdenciária e, por outro lado, também não há pagamento do salário, embora a suspensão do contrato chegue a seu termo com a alta previdenciária. Assim, cessado o benefício previdenciário, se o empregado se apresentar para o trabalho e for considerado inapto pela empresa, remetendo-o a esse limbo jurídico previdenciário, é a empregadora que será responsabilizada pelo pagamento da remuneração do período posterior a alta previdenciária. Nessa perspectiva, uma vez que não há prova nos autos de que a empresa tenha recusado o retorno do reclamante à atividade, não se lhe pode imputar responsabilidade pretendida. Recurso do reclamante a que se nega provimento. (TRT 24ª Região, 00240230520175240007, 2ª Turma, Rel. João de Deus Gomes de Souza, julgamento 17/07/2019)
ALTA PREVIDENCIÁRIA. CIÊNCIA DA EMPRESA. NÃO DISPONIBILIZAÇÃO DE POSTO DE TRABALHO. LIMBOJURÍDICO LABORAL PREVIDENCIÁRIO. RESCISÃO INDIRETA CONFIGURADA. Tendo a empresa ciência da alta previdenciária, cabe a ela reincorporar o trabalhador ou recorrer da decisão do INSS, caso o considere inapto, situação em que deve continuar pagando salários. Inadmissível que neste impasse o trabalhador fique desamparado, no que se convencionou chamar 'limbo jurídico trabalhista-previdenciário', em que não recebe benefício previdenciário nem salário, restando configurada falta grave da empresa que enseja a rescisão indireta. (TRT 2ª Região, RO 01003443720175010261, Rel. Marcos de Oliveira Cavalcante, julgamento 02/05/2018, publicação 23/05/2018)
Fundamentos Legais: Os citados no texto, conforme legislação vigente à época da publicação.
3ª Semana – Agosto/2021