ADJUDICAÇÃO INDEVIDA
Condicionado À Idoneidade Da Nota Fiscal

RECURSO Nº 1.195/96 - ACÓRDÃO Nº 2.744/96

RECORRENTE: (...)
RECORRIDA: FAZENDA ESTADUAL (Proc. nº 011070-14.00/96.3)
PROCEDÊNCIA: IVOTI - RS
EMENTA: ICM

Impugnação a Auto de Lançamento. Couros.

Impugnado o lançamento, não corre prazo prescricional até a solução final do processo administrativo. Afastada a preliminar de prescrição intercorrente.

O crédito fiscal está condicionado à idoneidade da Nota Fiscal. O fato de que não houve a produção de prova de regularidade das suas operações de aquisição de couros dos estabelecimentos de Santa Catarina, prejudica as alegações do recorrente.

Preliminar rejeitada.

Pedido de reconsideração desprovido.

UNANIMIDADE.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de pedido de reconsideração, em que é recorrente (...), de Ivoti (RS), e recorrida a FAZENDA ESTADUAL.

Relatório.

Em nome do sujeito passivo acima identificado foram lavrados, com ciência em 30.09.88, os Autos de Lançamento nºs 7538800280 e 7538800299, datados de 27 de setembro de 1988, na cidade de Ivoti. A constituição do primeiro crédito tributário decorreu pela glosa de créditos fiscais decorrentes de Notas Fiscais de aquisição de couros, procedentes de Santa Catarina, nas quais foram constatadas que as mesmas foram confeccionadas sem a devida autorização de impressão, com aposição de carimbo falso da Divisão de Fiscalização do Trânsito de Mercadorias (DTM), e após o cancelamento da inscrição estadual dos emitentes. Tendo o contribuinte deixado de recolher o ICM devido pela apropriação indevida de créditos fiscais destacados em documentos inidôneos conforme consta na peça fiscal. Diante das irregularidades descritas no Auto de Lançamento, os autuantes refizerem o conta-corrente fiscal. Relativamente ao segundo lançamento, foi aplicada multa de natureza formal, pela escrituração de créditos fiscais a que não tinha direito, por estarem destacados em documentos fiscais inidôneos.

Irresignado com o procedimento fiscal, dentro do prazo legal, representado por procurador habilitado conforme mandato juntado (fl. 11), apresentou impugnação aos referidos Autos de Lançamento, fls. 02 a 10, onde expõe as suas razões de fato e de direito. Apensando aos autos cópias reprográficas de documentos que servem de sustentáculo para suas afirmações.

O contribuinte alega ter efetuado no período fiscalizado, outubro de 1983 a junho de 1988, inúmeras aquisições de (...), e das demais empresas relacionadas nos anexos dos Autos de Lançamento (docs. 04 a 73), tendo sido, inexplicavelmente, glosado o crédito de ICM relativo a apenas algumas notas fiscais, as quais foram selecionadas pelos Senhores Fiscais. Aponta terem sido consideradas as Notas Fiscais nºs 001 e 002, de emissão da empresa (...), de (...), as quais tiveram o pagamento antecipado conforme cópia reprográfica acostada aos autos, bem como de certidão fornecida pela Exatoria Estadual de Camboriú (SC).

Argumenta estarem as compras de mercadorias realizadas junto às empresas fornecedoras relacionadas nos anexos dos Autos de Lançamento cobertas por Notas Fiscais que contêm todas as indicações exigidas pela legislação. Cita jurisprudência. Ao final pede o cancelamento das peças fiscais hostilizadas.

A autoridade lançadora, em réplica fiscal, explica a forma de composição no número da autorização para impressão de documentos fiscais. Junta informação do Departamento de Fiscalização do Trânsito de Mercadorias onde consta o furto de um carimbo (nº 235), tendo o outro (nº 288) sido incinerado em 23.11.84. Estes números constam de Notas Fiscais cujo crédito foi adjudicado. Quanto a emissão de documento fiscal após o cancelamento da inscrição, faz a juntada de ofício da Secretaria da Fazenda de Santa Catarina, onde cientificam a Fiscalização do Rio Grande do Sul que os emitentes utilizaram esta sistemática para efetuar remessas de couros para este Estado. Ao final propugna a legitimidade do procedimento tributário impugnado.

Na primeira instância administrativa, o julgador singular entendeu serem frágeis as justificativas para a constituição dos créditos tributários, por representarem apenas indícios que poderiam revelar alguma espécie de fraude. Diz caber ao Fisco a prova de inocorrência de circulação da mercadoria e alguma participação da autuada nestas irregularidades. Rechaça a motivação dos autuantes para decidir pela improcedência dos Autos de Lançamento impugnados. Recorreu de ofício de sua decisão. Desta decisão não foi cientificado o autuado.

A Defensoria da Fazenda manifesta-se pelo provimento parcial do apelo necessário, no sentido de restabelecer as exigências contidas nas peças fiscais, excetuando-se os valores de ICM relativo às Notas Fiscais nºs 001 e 002, de emissão do SR. (...).

Levado a julgamento em 05 de fevereiro de 1996, a Primeira Câmara Suplementar deste Tribunal, por unanimidade de votos, deu provimento parcial ao recurso necessário para restabelecer os valores do Auto de Lançamento nº 7538800280, excluindo-se deste os valores referentes ao imposto comprovadamente pago antecipadamente e, provimento integral ao recurso de ofício relativamente ao Auto de Lançamento nº 7538800299. Desta decisão o contribuinte foi cientificado em 18 de junho de 1996, na pessoa do (....).

Dentro do prazo legal, por procurador já qualificado nos autos, o sujeito passivo interpõe pedido de reconsideração da decisão contrária aos seus interesses. Em preliminar sustenta a prescrição intercorrente, para tanto cita jurisprudência e doutrina de Francisco de Assis Praxedes. No mérito argumenta que se eventualmente alguma falha ou algum ato ilícito for praticado pelo emitente da Nota Fiscal, não é de competência do adquirente intervir para a sua regularização, até porque não possui poderes para tanto. Reforça seu arrazoado reprisando a jurisprudência citada na peça impugnatória.

Acrescenta que não se pode atribuir nenhuma responsabilidade tributária ao sujeito passivo, como que o Fisco, sob a singela alegação de que para acobertar referidas operações o vendedor teria feito uso de documentos inidôneos. Assim sendo, este argumento não pode servir de base para justificar a glosa de créditos do ICM. Caso venha a se alegar que o lançamento se justifica pelo fato de o tributo não ter sido pago na etapa anterior, este argumento não pode prosperar, até porque, no presente caso, há provas de pagamento, inclusive antecipado, de imposto por parte de uma das empresas vencedoras, o que demonstra que os agentes fiscais nenhuma providência tomaram para se certificar da certeza e da validade do ato que estavam praticando. "In limine", pede seja prolatado acórdão determinando a improcedência do lançamento tributário.

Voto.

Preliminarmente manifesto-me em relação ao protesto do recorrente quanto a inobservância dos prazos no procedimento tributário. Estes são fixados em lei, no entanto, há de ressaltar que pela impossibilidade justificada do acúmulo de processos, os prazos, infelizmente, nem sempre podem ser cumpridos. Por outro lado, deixo claro que este lapso de tempo em momento algum trouxe prejuízos ao contribuinte.

A argüição de prescrição intercorrente não pode prosperar, pois o Estado não abandonou o processo por mais de trinta dias, visto que ao julgamento administrativo aplicam-se as regras processuais. Por motivos de força maior, o processo não foi levado a julgamento anteriormente.

São inúmeros os precedentes jurisprudenciais deste Tribunal quanto a prescrição intercorrente, a ponto de ter sido editada a Súmula nº 16, pela aprovação da Resolução nº 02/96, nos seguintes termos: "Processual - Impugnado o lançamento, não corre prazo prescricional até a solução final do processo administrativo."

Portanto, com fundamento no art. 151, III, do Código Tributário Nacional, e na Súmula nº 16 deste Tribunal, rejeito a preliminar da prescrição intercorrente.

Provar é convencer o espírito da verdade respeitante a alguma coisa. Mas como a simples alegação não é suficiente para formar a convicção do juiz ("allegatio et non probatio quasi non allegatio"), surge a imprescindibilidade da prova da existência do fato, no dizer de Moacyr Amaral Santos (Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. 2, págs. 329 a 345, Ed. Saraiva, 1987).

O objeto da prova é o fato da causa, representado, ou por sua reconstrução histórica, ou uma demonstração científica, ou por uma conclusão obtida através de um raciocício lógico. A prova tem por finalidade convencer alguém quanto à existência ou inexistência de fatos sobre que versa determinada controvérsia. Na prova processual esse alguém é o juiz, que é o seu destinatário.

Na fundamentação do meu voto, tenho que considerar as afirmações relativas aos fatos e às respectivas provas, tanto do recorrente como do recorrido, a fim de convencer-me da verdade desses fatos, isto é, a fim de conhecer da certeza desses fatos. A verdade é uma só: ou fatos alegados pelo recorrente são verdadeiros ou não o são.

Permito-me transcrever os ensinamentos do mestre Fernando da Costa Tourinho Filho (Processo Penal, vol. 3, pág. 219. Ed. Saraiva, 1987), sobre o sistema da livre convicção do juiz:

"O juiz pode desprezar a palavra de duas testemunhas e proferir sua decisão com base em depoimento de uma só. Inteira liberdade tem ele na valoração das provas. Não pode julgar de acordo com conhecimentos que possa ter extra-autos. Se o juiz tiver conhecimento da existência de algum elemento ou circunstância relevante para o esclarecimento da verdade, deve ordenar que se carreiem para os autos as provas que se fizerem necessárias. Como esclarece o Min. Francisco Campos, na exposição de Motivos que acompanha o atual CPP, não é prefixada uma hierarquia de provas; na livre apreciação destas, o Juiz formará honesta e lealmente a sua convicção. Todas as provas são relativas; nenhuma delas terá ‘ex vi legis’, valor absoluto. Se é certo que o Juiz fica adstrito às provas constantes dos autos, não é menos certo que não fica subordinado a nenhum critério apriorístico no apurar, por meio delas, a verdade material. Nunca é demais, porém, advertir que livre convencimento não quer dizer puro capricho de opinião ou mero arbítrio na apreciação das provas. O Juiz está livre de preconceitos legais na aferição das provas, mas não pode abstrair-se ao seu conteúdo. Não está dispensado de motivar a sua sentença."

A tentativa de inversão do ônus probante pela citação de doutrina e jurisprudência não tem o condão de modificar a situação objetiva constante do conteúdo do processo. Os autuantes fizeram constar na própria peça fiscal os elementos embasadores da autuação.

A transcrição do belo ensinamento de M.A. Miranda Guimarães e Outros, in Ação Fiscal - "Limites à Fiscalização Tributária, Impugnação ao Lançamento", 2ª ed., Ed. Livraria do Advogado, 194, pg. 23, se adapta bem ao caso em tela: "O contribuinte deve contradizer o auto, e este poder de contradizer não inverte o ônus da prova, porquanto..." (grifei).

O recorrente não trouxe qualquer prova da veracidade de sua alegação, não juntou nenhum documento que desse sustentáculo às suas afirmações. Faltam ao contribuinte elementos probantes, os quais entendo não existirem pelo fato de que o procedimento fiscal que resultou no Auto de Lançamento teve como alicerce documentos apreendidos dentro de seu estabelecimento, o que desfalece qualquer tentativa de justificar os fatos infringentes à legislação tributária estadual.

A apresentação de certidão justificando o pagamento antecipado de apenas duas Notas Fiscais não pode servir de suporte para tornar insubsistente toda a peça fiscal atacada, porém é cabido somente para o caso específico. A única prova trazida aos autos foi aceita e o valor correspondente foi excluído do Auto de Lançamento. O contribuinte não produziu as provas necessárias para contrapor-se ao contido no Auto de Lançamento, haja vista a ausência de comprovantes de pagamento, movimentação bancária do estabelecimento, recibos de transportadores, etc., algum tipo de documento que atestasse a veracidade de suas operações com os remetentes catarinenses.

Os autuantes, entretanto, fizeram a juntada de cópia reprográfica de informação prestada pela Secretaria da Fazenda do Estado de Santa Catarina, na qual declara que os emitentes estavam utilizando, para remessa de cargas de couro para o Rio Grande do Sul, Notas Fiscais de firmas catarinenses com inscrição cadastral inidônea (canceladas ou baixadas).

Outro ponto a ser levado em consideração é a existência de aposição de carimbos os quais foram roubados ou incinerados. Não houve justificativa para o recebimento de mercadorias cujas Notas Fiscais foram carimbadas com instrumento que havia sido incinerado pela Secretaria da Fazenda.

No tocante ao direito ao crédito fiscal, como princípio constitucional da não-cumulatividade, deve obedecer a regra infra-constitucional, o art. 30 do Convênio ICM nº 66/88, de 14 de dezembro de 1988. Este dispõe que o direito ao crédito, para efeito de compensação com o débito do imposto reconhecido ao estabelecimento que tenha recebido as mercadorias ou para o qual tenham sido prestado os serviços, está condicionado à idoneidade da documentação e, se for o caso, à escrituração, nos prazos e condições estabelecidas na legislação.

Assim, não progride a tese do recorrente, visto estar condicionado o crédito fiscal à idoneidade da Nota Fiscal, aliando-se ao fato de que não houve a produção de prova de regularidade das suas operações de aquisição de couros dos estabelecimentos de Santa Catarina.

Pelo exposto, nego provimento ao pedido de reconsideração, confirmando o Acórdão nº 317/96.

Ante o exposto, ACORDAM os membros da Primeira Câmara Suplementar do Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais, por UNANIMIDADE DE VOTOS, em rejeitar a preliminar e em negar provimento ao pedido de reconsideração, confirmando o Acórdão nº 317/96.

Porto Alegre, 17 de setembro de 1996.

Edgar Norberto Engel Neto
Relator

Ronaldo Luiz Ponzi
Presidente

Participaram, também, do julgamento os Juízes Ênio Meinen, Ivori Jorge da Rosa Machado e Cilon da Silva Santos. Presente o Defensor da Fazenda Luiz Carlos Flores Muniz.

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