ICMS
VETO TOTAL AO PROJETO DE LEI Nº 131/00

RESUMO: O Veto a seguir dispõe sobre a proposta de prorrogação dos prazos para requerer a dação em pagamento de bens imóveis para extinção de créditos tributários.

VETO TOTAL AO PROJETO DE LEI nº 131/00, de 12.01.01
(DOE de 15.01.01)

Senhor Presidente:

Dirijo-me a Vossa Excelência para comunicar-lhe que, utilizando a faculdade que me conferem os artigos 66, § 1º, e 82, inciso VI, da Constituição Estadual, decidi vetar, na íntegra, o Projeto de Lei nº 131/2000, de autoria do Deputado Osmar Severo, aprovado na Sessão Plenária do dia 13 de dezembro de 2000.

O projeto de lei em epígrafe, que prorroga os prazos alterados pela Lei nº 11.455, de 4 de abril de 2000, nos dispositivos das Leis nºs 11.078 e 11.079, ambas de 6 de janeiro de 1998, não deve prosperar por razões de constitucionalidade, legalidade e conveniência administrativa, que passo a expor.

Preliminarmente, faz-se oportuno tecer algumas considerações acerca do que almeja a proposta ora vetada.

O projeto de lei em pauta trata da prorrogação, por noventa dias úteis, a contar de sua vigência, dos prazos para requerer ao Poder Executivo a dação em pagamento de bens imóveis como forma de extinção de créditos tributários, bem como da apresentação de denúncia espontânea, previsto nos artigos 4º e 5º da Lei nº 11.079, de 1998, com as alterações posteriores.

As alterações perpetradas pelo artigo 1º, inciso I, do projeto de lei em exame, prorrogando o prazo de requerimento dos benefícios, de forma a possibilitar a dação em pagamento, bem como pelo inciso II, do mesmo dispositivo, alterando o limite temporal para a apresentação de denúncia espontânea do débito, de forma a permitir o seu parcelamento, em ambas as hipóteses com a redução da penalidade em 40% (quarenta por cento), na forma prevista no art. 3º, § 8º da Lei nº 11.079, de 1998, representam concessão de benefícios fiscais incompatíveis com o regramento constitucional e infraconstitucional.

Saliente-se que o sistema tributário nacional priorizou o pagamento do crédito tributário efetuado em espécie, expressa ou convertido em moeda com curso forçado no País, conforme dispõe o art. 162, I, do Código Tributário Nacional e, subsidiariamente, a realizada em estampilha, papel selado ou processo mecânico, de acordo com o art. 162, II, do mesmo diploma legal. O crédito comporta pagamento in natura, usualmente por meio da entrega de bens imóveis, porém se trata de modalidade excepcionalíssima de adimplemento da obrigação, caracterizando-se como benefício ou favor fiscal. De igual sorte, o pagamento parcelado de créditos tributários. E na hipótese concreta, tais benefícios fiscais não se limitam à forma de pagamento, mas vêm acompanhados de anistia de 40% (quarenta por cento), como já foi referido.

Com efeito, o projeto de lei em exame padece de vício de inconstitucionalidade, pois contraria o disposto nos artigos 150, § 6º, e 155, § 2º, XII, "g", da Constituição Federal, que determinam que isenções, incentivos e benefícios fiscais deverão ser regulados em Lei Complementar. A matéria tratada no projeto está disciplinada na Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, que dispõe sobre os Convênios para a Concessão de Isenções do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias.

O art. 10 da Lei Complementar nº 24, de 1975, exige que a concessão de isenção e de incentivos ou favores fiscais, e financeiro-fiscais, sejam concedidos ou revogados nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal.

O parágrafo único da cláusula primeira do Convênio ICM nº 24/75, publicado no Diário Oficial da União em 13 de novembro de 1975, que estabelece condições gerais para a concessão de moratória, parcelamento, ampliação de prazo de pagamento, remissão, anistia e transação, dispõe que a concessão de quaisquer destes benefícios em condições mais favoráveis dependerá de autorização em convênio para este fim especificamente celebrado.

Não há convênio celebrado pelo Estado do Rio Grande do Sul fixando novos prazos. Os Convênios ICMS nºs 31 e 49/2000, celebrados em 26 de abril de 2000 e em 17 de agosto de 2000, respectivamente, fixaram a data limite de 30 de outubro de 2000 para que fosse protocolado o pedido de parcelamento.

Desta forma, a matéria tratada no projeto desborda do regramento complementar federal que disciplina a concessão de benefícios fiscais, a Lei Complementar nº 24, de 1975, acabando por incidir em inconstitucionalidade ao não respeitar o comando expresso nos artigos 150, § 6º, e 155, § 2º, XII, "g", da Lei Maior.

Além disso, a proposição avança sobre prerrogativas do Poder Executivo relativas à condução das finanças públicas, pois modifica a previsão de ingresso dos valores a serem obtidos pelo Erário por meio da cobrança do imposto em tela. São revigorados benefícios já extintos e que não foram computados no cálculo da receita que norteou a elaboração da lei orçamentária estadual.

De fato, a incumbência exclusiva atribuída pela Carta Estadual ao Poder Executivo no que se refere às normas orçamentárias, inserta no art. 149, corresponde, justamente, à necessária previsão de custos e de ingressos da qual depende a viabilidade da gestão administrativa.

É preciso destacar a inconstitucionalidade da proposição, já que o ingresso da receita é expectativa que compõe o cálculo dos gastos que poderão ser realizados pelo Poder Público a cada exercício anual. A Administração não pode ficar incapacitada para o exercício das tarefas que lhe são próprias, por isso o atributo de impedir o crescimento da despesa ou a redução da receita, dentro dos limites fixados pela Constituição.

É evidente que a proposição em exame submete o Poder Executivo, ainda que indiretamente, a limitações relacionadas à prática de atos típicos de gestão financeira. Por essa razão, o veto se impõe como meio de evitar a ingerência indevida de um Poder na esfera de autuação de outro, esbarrando nos comandos dos artigos 61, § 1º, II, alínea "e", e 84, incisos II e VI, da Constituição Federal, bem como no dos artigos 60, II, alínea "d", e 82, incisos II e VII, da Constituição Estadual.

Ademais, prorrogando prazos para concessão de benefícios, o projeto de lei em questão contraria legislação complementar. O artigo 14 da Lei nº 101, de 4 de maio de 2000, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, também conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal, estabelece que a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro que a medida causará no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois exercícios seguintes, bem como deverá atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições, previstas no referido dispositivo:

"Art. 14 - ...

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias.

II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

..."

Observe-se, a respeito que o conceito de incentivo fiscal, ou mais precisamente de incentivo tributário, na terminologia do artigo 14, abrange, além da anistia, remissão, subsídio, isenção, redução de alíquota ou da base do cálculo, crédito presumido, bem como toda a concessão de vantagem tributária que corresponda a tratamento diferenciado (art. 14, § 1º, in fine).

Nessa linha, temos clara e inequivocadamente que o parlamento desborda de suas atribuições, e como conseqüência, afeta o princípio da harmonia e independência entre os poderes constituídos, consagrados nas Constituições Federal e Estadual.

A proposta também se mostra de todo inconveniente, pois a concessão de benefícios fiscais, em momento de notória dificuldade financeira do Erário, só poderia se justificar se correspondesse, o que não ocorre no caso concreto, a incentivo de alguma atividade que, de outra forma, pudesse gerar novas receitas.

Ainda sob o enfoque da conveniência administrativa e do interesse público, saliento que a adoção do instituto da dação em pagamento de bens imóveis para extinção de créditos tributários não se mostra oportuna nem indicada para o Estado no atual momento, pois não representa o acréscimo de recursos financeiros, embora, aparentemente, importe em redução de créditos não pagos.

A necessidade de realização de obras e serviços que a sociedade reclama exige a disponibilidade de recursos que as concretizem. Pela proposição, no entanto, o Estado receberia bens em lugar de moeda corrente e teria dificuldade em obter a necessária liquidez, devendo submeter-se aos trâmites licitatórios que a lei impõe para alienações. Em contrapartida, na execução fiscal os bens penhorados podem mais rapidamente resultar em recursos financeiros por meio da realização de leilão.

Saliente-se que os créditos tributários inscritos como dívida ativa são títulos executivos extrajudiciais, sendo muito mais fácil e rápido executá-los do que receber bens em pagamento e enfrentar incertezas e dificuldades de transformá-los em numerário.

Refira-se, ainda, que quando o Estado necessita adquirir bens de particulares deverá fazê-lo em obediência aos princípios licitatórios e não privilegiar a quem não mantém em dia suas obrigações tributárias.

Feitas estas considerações e evidenciadas a inconstitucionalidade, ilegalidade e inconveniência administrativa do Projeto de Lei nº 131/2000, cabe-me, por intermédio do veto que ora a ele aponho, propiciar a esse Egrégio Poder a oportunidade de reapreciar a matéria, na certeza de que, conhecendo das razões que me levam a recursar acolhimento à proposta, reformulará seu posicionamento.

Atenciosamente,

Olívio Dutra
Governador do Estado

Excelentíssimo Senhor Deputado Otomar Vivian
Presidente da Assembléia Legislativa do Estado
Palácio Farroupilha
Nesta Capital

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