DEPÓSITO JUDICIAL
Constituição do Crédito Tributário Não Inibida
RECURSO Nº 508/92 - Acórdão Nº 896/94
RECORRENTE: (...)
RECORRIDA: FAZENDA ESTADUAL (Proc. nº 12413-14.00/92.8)
PROCEDÊNCIA: FARROUPILHA - RS
EMENTA: IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES RELATIVAS À CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS (ICM).Impugnação a Autos de Lançamento.
Preliminar de nulidade - Os depósitos judiciais de valores correspondentes ao imposto devido não inibem a constituição do crédito tributário, apenas suspendem sua exigibilidade (art. 151, II, do CTN). O auto de lançamento, relativo ao imposto informado em GIA, ou denúncia espontânea, dispensa a descrição da matéria tributável, suficiente apenas sua referência (art. 17, parágrafo 2º, da Lei nº 6.537/73).
Mérito - Constitui fato gerador do ICM o fornecimento de alimentação, bebidas e outras mercadorias e a base de cálculo do imposto é o valor total da operação, compreendendo o fornecimento da mercadoria e a prestação de serviços.
Rejeitada a preliminar, e no mérito, negado provimento ao recurso voluntário.
Unânime.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso voluntário, em que é recorrente (...), de Farroupilha (RS) e recorrida a Fazenda Estadual.
Contra a recorrente foi constituído o crédito tributário, através dos Autos de Lançamento nºs 7699000677; 7699000685 e 7699000693, contra ela lavrados, por não pagamento no prazo, do imposto devido e informado espontaneamente em GIA, além dos demais acréscimos legais.
Desconforme com o ato fiscal impugnou os lançamentos informando que se dedica à exploração de serviços de alimentação, elaborando refeições a empregados de empresas particulares. Informa ter intentado Ação Ordinária, pedindo para depositar judicialmente as quantias de imposto em discussão, e em face à concessão está suspensa a sua exigibilidade. Além do que, sua atividade constitui prestação de serviços, não sendo contribuinte do ICM, mas, sujeito às leis de competência municipal relativo ao ISSQN. Também, inexistia lei estadual, no Rio Grande do Sul, que fixava como base de cálculo do ICM apenas o valor da mercadoria, excluindo aquele decorrente dos serviços.
Invoca como questão preliminar a nulidade dos Autos de Lançamento, em razão dos depósitos judiciais efetivados na Caixa Econômica Estadual para garantirem o imposto em discussão e assim estaria suspensa sua exigência, de acordo com o preceito do artigo 151, II, do Código Tributário Nacional. Sugere como causa da nulidade, ainda, a omissão nas peças impositivas da descrição da matéria tributável, gerando cerceamento de defesa para formular a impugnação. Caso não acolhida sua pretensão, considerando-se isento nos termos do Convênio ICM nº 1/75, porque a mercadoria está sendo servida diretamente aos empregados da empresa para a qual está administrando o restaurante.
Além desses argumentos, faz uma extensa análise dos dispositivos legais que cuidam da matéria, transcreve doutrina e busca reforçar sua tese com base em jurisprudência.
A autoridade autuante, em réplica de fls. 24/25, manifesta-se pela mantença das peças fiscais. Destaca que a incidência do ICM no fornecimento de alimentação está prevista na legislação estadual, assim como o cálculo do tributo devido, tendo outrossim suporte legal a pena aplicada. Declara ter seguido a Ordem de Serviço CGICM nº 01/82, para proceder o lançamento, visto que, o sujeito passivo vinha efetuando depósito judicial do imposto que estava informado em GIA. Que, em se tratando de imposto informado pelo contribuinte prevalece o disposto no artigo 17, parágrafo 2º, da Lei nº 6.537/73, relativo a descrição da matéria tributável, não havendo nenhum cerceamento de defesa. Que o imposto é relativo ao fornecimento de refeições, produzidas em seu estabelecimento e transportadas para o local de consumo.
Na primeira instância, a decisão foi no sentido de julgar subsistente o crédito constituído. Por falta de competência da esfera administrativa, afastou, em preliminar, qualquer discussão envolvendo exame da inconstitucionalidade da legislação tributária estadual. Quanto aos depósitos judiciais efetuados, conforme o julgador singular, não tem o mesmo o condão de impedir a constituição do crédito tributário e nem a adoção pelo fisco, da preparação dos atos administrativos com vistas a sua eventual cobrança. Por outro lado, afirma que o fornecimento de refeições está perfeitamente definido como fato gerador do ICM e não do ISSQN, e que a legislação estabelece que a base de cálculo do ICM é o valor total da operação de fornecimento de alimentação, bebidas e outras mercadorias, nesta incluída a parte relativa ao preparo. Conclui com a transcrição de jurisprudência que arrimou sua decisão.
Ciente da decisão, inconformada com seu teor, a empresa dela recorreu, reiterando o pedido de nulidade dos lançamentos sobre duplo fundamento, existência de depósito judicial das importâncias discutidas, suspendendo a exigibilidade do crédito tributário, e ainda, por cerceamento de defesa, vez que, estaria omitida a descrição da matéria tributária, requisito indispensável ao lançamento, de acordo com os artigos 17 e 23, da Lei nº 6.537/73. E quanto ao mérito, repisa manifestação da inicial, buscando caracterizar a inexistência de relação jurídica que autorize o Estado a cobrar o ICM, por ser ela mera prestadora de serviços e cuja atividade está unicamente ao alcance tributário da competência municipal. Transcreve jurisprudência e acosta cópia da decisão favorável à recorrente junto ao Superior Tribunal de Justiça.
O Defensor da Fazenda Estadual, que atua junto ao Tribunal, enfoca que se trata de ICM declarado em GIA e não pago nos prazos legais, relativo ao fornecimento de alimentos a empregados de outras empresas, cujo assunto foi reiteradas vezes examinado nesta Corte, sempre negando provimento aos apelos, por unanimidade, cita precedentes jurisprudenciais.
É o relatório.
Voto:
Os valores, relativos ao ICM gerado a cada mês, depositados judicialmente garantem ao recorrente proteção contra a exigibilidade, por parte do Estado, destes valores, no entanto, não inibem os atos administrativos no sentido de constituir o crédito tributário, nem poderia, visto que, para suspender a exigência do crédito tributário mister se faz que primeiro seja constituído mediante Auto de Lançamento. As providências tomadas tem finalidade preventiva, afastando possível decadência do direito da Fazenda Estadual (art. 173, do CTN). Nem consta da Decisão Judicial, que autorizou estes depósitos, vedação ao fisco para lançar importâncias devidas.
Inexiste, também, nulidade por cerceamento de defesa, haja vista, que os Autos de Lançamento cumpriram regiamente o estatuído no artigo 17, da Lei nº 6.537/73, para as situações em que o imposto for informado pelo próprio contribuinte, ficando dispensada a descrição da matéria tributável, tendo as peças impositivas efetuado a remissão às informações prestadas pelo sujeito passivo. Rejeito a preliminar de nulidade, sob duplo fundamento, no que os demais juízes acompanham, pelos mesmos fundamentos.
No mérito, as decisões neste Tribunal foram sempre unânimes quando do exame desta matéria, e a jurisprudência se tornou pacífica, tendo sido sumulada, como consta na Resolução nº 02/94, do DOE de 06.05.94, com a edição da Súmula nº 09.
É verdade que a comparte, no judiciário, até agora tem conseguido sustentar suas teses, conforme mostras inclusas nos autos. Em pesquiasa realizada junto ao Superior Tribunal de Justiça (cópia anexa), foi apurado que a decisão citada na defesa não transitou em julgado, pois, em 04.05.92 fora remetida ao STF, liberando desta forma este Tribunal para apreciar a matéria livremente, como de fato se faz, já que a matéria "sub judice" não é específica aos créditos contestados, mas busca uma declaração de direitos de forma ampla e geral.
Cumpre salientar que o artigo 1º, inciso IV, da Lei nº 6.485/72, vigente à época dos fatos, previa claramente a ocorrência do fato gerador do ICM no fornecimento de alimentação, bebidas e outras mercadorias, em restaurantes, bares, cafés e estabelecimentos similares, e mais, no seu inciso seguinte (V) destaca que igualmente constitui fato gerador do mesmo imposto o fornecimento de mercadorias com prestação de serviços, quando aquele não for excluído pela legislação federal relativa ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza. Ficou na oportunidade estabelecido, pelo artigo 12, inciso I, do mesmo diploma legal retrocitado, como sendo a base de cálculo o valor total da operação, assim, compreende o fornecimento da mercadoria e a prestação de serviços.
Vê-se deste modo, que improcedem as alegações da defendente quando procura fazer crer que sua atividade estaria sujeita apenas ao imposto municipal (ISSQN), ou até mesmo, que a base de cálculo deveria restringir-se tão-só ao valor da mercadoria, por conseguinte afastado aquele decorrente dos serviços.
A tese de que a lei estadual seria inconstitucional por invasão de competência tributária dos municípios não elide a responsabilidade pela satisfação tributária. O Supremo Tribunal Federal tem se manifestado recentemente e por reiteradas vezes sobre o assunto, e em despachos repetidos têm sido contrário à tese da recorrente. Por oportuno trago "in verbis" a manifestação do relator no Recurso Extraordinário nº 160.475-1-SP, o Ministro Celso de Mello, onde destaco:
"Vê-se, pois, que a regra de competência impositiva inscrita no art. 155, I, b, da Constituição - que autoriza o Estado-membro a restituir o ICMS - deve ser interpretada em função do que também prescreve a norma consubstanciada no art. 155, parágrafo 2º, IX, b, do Estatuto Fundamental, que legitima a incidência dessa espécie tributária sobre operações relativas a circulação jurídica de mercadorias fornecidas "com serviços não compreendidos na competência tributária dos municípios.
Os serviços exclusivamente tributáveis pelos municípios, por intermédio do ISS, acham-se relacionados em lista cuja taxatividade, constituindo natural competência do princípio da legalidade tributária, tem sido reconhecida tanto pela doutrina (RUI BARBOSA NOGUEIRA, in RTN 482/263; ALIOMAR BALEEIRO, "Direito Tributário Brasileiro", p. 270, 8º ed., 1976, Forense) quanto pela jurisprudência do SupremoTribunal Federal (RTJ 68/198-RTJ 89/181 - RTJ 97/357 - RDA 118/155), em ordem a justificar a pretensão fiscal do Estado-membro no que concerne à instituição e cobrança do ICMS sobre o fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não discriminados na lista referida.
A previsão constante do art. 155, parágrafo 2º, IX, "b", da Carta Política constitucionalizou a norma inscrita no art. 8º, parágrafo 2º, do DL nº 406/68 que, revestido de força e eficácia de lei complementar - consoante atesta a doutrina (EVALDO BRITO, in "Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas", nº 2, ano 1. P. 103, item n. 24, RT; CELSO RIBEIRO BASTOS, Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário, p. 272, 1991, Saraiva), submete ao âmbito de incidência do tributo estadual em causa o formecimento de mercadorias com prestação de serviços, desde que não especificados estes na lista anexa ao decreto-lei mencionado.
Daí, a conclusão a que chegou esta Suprema Corte no procedente referido, verbis:
"O fornecimento de alimentação e bebidas, para consumo no próprio estabelecimento, caso de restaurantes, bares, boates, etc., compreende-se na hipótese de mercadoria fornecida com prestação de serviços. Pelo singelo motivo de que não se acham relacionados em lei complementar, como exigido pela Constituição (art. 156, IV), os serviços envolvidos na operação, prestados por cozinheiros, maitres e garçons (...), estão sujeitos ao ICMS. (grifei) (RE nº 144.795 - SP, techo do voto do rel. Min. ILMAR GALVÃO)"
Tendo o Supremo Tribunal Federal, desse modo, reconhecido como perfeitamente legítima a tributabilidade dessas operações, não há como dar provimento ao presente recurso, que foi interposto pela empresa contribuinte com o objetivo de eximir-se, na hipótese descrita, do pagamento do ICMS.
Assim sendo, e considerando, ainda, pronunciamentos mais recentes da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria objetivada na presente sede recursal (RE 163.599-SP-AgRg, Rel. Min. CELSO DE MELLO; RE 160-595-SP-Ag-Rg, Rel. Min. CELSO DE MELLO, RE 163.422-SP - Ag Rg Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g., todos julgados em 03.12.93), nego seguimento ao recurso extraordinário.
Publique-se.
Brasília, 15 de dezembro de 1993.
Ministro Celso de Mello
Relator.Adotando estes termos, e tendo presente que o assunto ora em discussão já foi sumulado neste Tribunal - Súmula nº 09 (Resolução nº 02/94 - DOE de 06.05.94), julgo devido o ICM no fornecimento de alimentação, bebidas e outras mercadorias, cuja base de cálculo é o valor total da operação, compreendendo o fornecimento da mercadoria e a prestação de serviços.
No que diz respeito aos depósitos judiciais do imposto lançado, o efeito alcança apenas a suspensão de exigibilidade do crédito nos moldes do previsto no artigo 151, II, do CTN, não afetando em hipótese alguma a constituição deste crédito mediante auto de lançamento. Correto o cálculo da correção monetária, como a sanção aplicada, pois, obedecem a lei. Assim, nego provimento ao recurso interposto, para confirmar a decisão recorrida.
Está complementamente fora de propósito a invocação dos benefícios concedidos no Convênio ICM nº 01/75, e implementado no art. 6º, inciso VII, alínea "a", do Regulamento do ICM, pois, aquela benesse vale para o fornecimento de alimentos que a empresa fez para seus próprio empregados, e não de terceiros como foi o caso. Valeria para os alimentos que a (...) produz e distribui aos empregados dela, mas, não é disso que tratam os autos.
Ante ao exposto, ACORDAM os Membros da Segunda Câmara deste Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais, por UNANIMIDADE DE VOTOS, rejeitar a preliminar de nulidade, e no mérito negar provimento ao recurso voluntário, confirmando a decisão recorrida.
Porto Alegre, 19 de outubro de 1994.
Plínio Orlando Schneider
RelatorRuy Rodrigo Brasileiro de Azambuja
PresidenteParticiparam, também, do julgamento os Juízes: Oscar Antunes de Oliveira, Onofre Machado Filho e Pedro Paulo Pheula. Atuou no feito, ainda, o Defensor da Fazenda Estadual, Gentil André Olsson.