PROCESSUAL
Considerações
RECURSO Nº 1.712/96 - ACÓRDÃO Nº 3.371/96
RECORRENTE: (...)
RECORRIDA: FAZENDA ESTADUAL (Proc. nº 016893-14.00/96.7)
PROCEDÊNCIA : PORTO ALEGRE - RS
RELATOR: ÊNIO MEINEN (1ª Câmara Suple- mentar, 17.12.96)
EMENTA: ICMS
Impugnação a Auto de Lançamento.
Processual.
Capacidade postulatória.
A inicial de impugnação foi firmada por advogado. É o que basta segundo a legislação invocável. Regularidade interventiva comprovada. Recurso Provido, por maioria.
Recurso Voluntário da Decisão de nº 98696204, da Primeira Instância de Apreciação de Processos Administrativo Tributários, indeferitória da inicial, sem exame de seu mérito, vez que não compravados os poderes de representação dos outorgantes do incluso instrumento de mandato.
Totalmente equivocado o Decisor de Primeira Instância. A sua interpretação quanto aos requisitos sobre a irregularidade interventiva extrapola os limites da lei que invoca. O que a Lei nº 6.537/73, em seu artigo 19 e parágrafos, requer é que os dirigentes, quando signatários da petição - e só nessa hipótese -, demonstrem ser efetivamente os representantes habilitados da empresa. Agora, quando um advogado intervém como firmatário, tendo juntado instrumento de mandato, nada mais há a ser perquirir. Estão satisfeitas as exigências explicitamente previstas no artigo 19, "caput" e § 2º: o Procurador é Advogado (regularmente inscrito na OAB) e reúne Poderes de Representação (faz juntada de instrumento procuratório).
A prevalecer o juízo hostilizado, partiríamos, como bem anotou o atento e zeloso Defensor da Fazenda, para uma paranóia formalística, ingressando num círculo vicioso, trazendo evidente prejuízo ao próprio Estado.
RECURSO PROVIDO, pelo voto de desempate do Sr. Presidente, vencidos a Juíza Relatora, Dra. Zélia Simaley Pereira do Pinho e o Juiz Ivori Jorge da Rosa Machado.
Segue voto de desempate do Sr. Presidente, cujo teor é o mesmo do proferido nos autos do Processo nº 31678-14.00/96.7, Recurso nº 945/96.
"O processo administrativo tributário se constitui e se desenvolve sob a égide dos princípios básicos que o informam, a saber, o da legalidade objetiva, o da oficialidade, o do informalismo, o da verdade material e o da garantia de defesa.
Destes, os três últimos merecem especial atenção eis que permitem identificar as características e as pecualiaridades que envolvem o processo de que se trata.
A propósito de tais premissas, não é demasia invocar a lição do insigne publicista Hely Lopes Meirelles (in Direito Administrativo Brasileiro, 11ª edição, Ed. Revista dos Tribunais, pags. 584 e 585), que, assim, se manifesta, verbis:
Informalismo - O princípio do informalismo dispensa ritos procedimentais e formas rígidas para o processo administrativo, principalmente para os atos a cargo do titular. Bastam as formalidades estritamente necessárias à obtenção da certeza jurídica e à segurança procedimental. Garrido Falla lembra com oportunidade que este princípio é de ser aplicado com espírito de benignidade e sempre em benefício do administrado para que, por defeito da forma, não se rejeitam atos de defesa e recursos mal qualificados.
Realmente, o processo administrativo deve ser simples, despido de exigências formais excessivas, tanto mais que a defesa pode ficar a cargo do administrado, nem sempre familiarizado com os meandros processuais.
Todavia, quando a lei impõe uma forma ou uma formalidade, esta deverá ser atendida, sob pena de nulidade do procedimento, mormente se da inobservância resulta prejuízo para as partes.
Verdade material - o princípio da verdade material, também denominado de liberdade na prova, autoriza a Administração a valer-se de qualquer prova que a autoridade processante ou julgadora tenha conhecimento, desde que o faça transladar para o processo. É a busca da verdade material, em contraste com a verdade formal. Enquanto nos processos judiciais o Juiz deve cingir-se às provas indicadas no devido tempo pelas partes, no processo administrativo a autoridade processante ou julgadora pode, até o julgamento final, conhecer de novas provas, ainda que produzidas em outro processo ou decorrentes de fatos supervenientes que comprovem as alegações em tela. Este princípio é que autoriza a reformatio in pejus nos recursos administrativos, quando a apreciação da prova, ou a nova prova, conduz o julgador de segunda instância a uma verdade material desfavorável ao próprio recorrente.
Garantia de defesa - O princípio da garantia de defesa, entre nós, decorre do mandamento constitucional do devido processo legal (Constituição referida art. 153, §§ 15 e 36), que teve origem no due process of law do direito anglo-norte-americano.
Por garantia de defesa deve-se entender não só a observância do rito adequado, como a cientificação do processo ao interessado, a oportunidade para contestar a alusão, produzir prova de seu direito, acompanhar os atos da instrução e utilizar-se dos recursos cabíveis.
Ao depois de citar Gordillo, conclui o citado doutrinador que Processo Administrativo sem oportunidade de defesa, ou com defesa cerceada é nulo, conforme têm decidido reiteradamente nossos Tribunais judiciais, confirmando a aplicabilidade do princípio constitucional ou devido processo legal, ou, mais especificamente, da garantia de defesa.
É, pois, sob o influxo de tais princípios dogmáticos que se deve interpretar toda e qualquer norma processual destinada a regrar os feitos administrativos tributários.
No caso vertente, o julgador monocrático fez por indeferir a inicial sem julgamento do mérito, fundado em que o firmatário da inicial de fls. 03 a 10, não comprovou, no ato, ter capacidade para representar o autuado no procedimento tributário administrativo, reportando-se ao comando dos arts. 19, § 2º, e 38, ambos da Lei nº 6.537/73.
O primeiro dos referidos dispositivos estabelece que a intervenção de dirigentes ou procurador não produzirá efeito se, no ato, não for feita a prova de que os mesmos são detentores dos poderes de representação e o segundo, determina o indeferimento da inicial, quando a parte for manifestadamente ilegítima ou deixar de fazer prova de sua capacidade, conforme o disposto no art. 19 desta Lei. A propósito do primeiro de tais dispositivos, a Súmula nº 14 deste Tribunal se orienta em igual sentido.
Citadas normas e referida súmula, exigem uma interpretação sistemática e teleológica que as compatibilizem com as premissas básicas que informam o processo administrativo tributário, vale dizer, que os coloque em disposição convergente com a plena realização dos princípios do informalismo, da verdade material e da ampla defesa que devem sempre ser observados, como postulados fundamentais que são.
Destarte, quando a regra do art. 19 diz que a intervenção dos dirigentes ou procurador não produzirá efeito, se no ato, não for feita a prova da capacidade processual, a autoridade julgadora, no mínimo, idêntica postura para viabilizar, sempre que possível, o cumprimento de um dos mais importantes princípios do processo administrativo, qual seja, o de busca da verdade real, o que pressupõe a tentativa de superação de entraves de natureza formal, que caracterizam meras irregularidades, para o enfrentamento da questão de fundo.
Nem se argumente que a aplicação ortodoxa das referidas normas se faz em nome da agilização do feito, pois em casos que tais, não há qualquer vantagem para a Fazenda Estadual, já que se abre ao autuado a possibilidade de pleitear junto ao poder judiciário, a nulidade do processo administrativo, por cerceamento de defesa, o que, em ocorrendo determinará o efeito contrário, vez que deverá o processo administrativo ter o reinício de seu trâmite.
Na espécie, fácil é verificar que a peça impugnatória foi apresentada, tempestivamente, e que o processo teve seu trânsito normal, inclusive, com o oferecimento da réplica fiscal, tudo a permitir o exame do mérito.
O julgador a quo, no entando, ao invés de examinar a matéria de fundo, e sem oportunizar ao recorrente, a comprovação da capacidade postulatória, optou por indeferir a inicial, por fim a demanda, deixando de apreciá-la.
Ora, tal decisum, a um só tempo, vulnerou os citados princípios da verdade material, do informalismo e da garantia da defesa, e, por igual, fez Tábula rasa dos próprios interesses da Fazenda Estadual, que se direcionam no sentido de ver esclarecido a questão de fundo, com a maior transparência possível, e com total obediência aos direitos dos contribuintes para, assim, ter ela própria, a garantia de que, com a notificação da imposição fiscal, pela procedência do lançamento tributário, terá o adequado respaldo para ajuizar, com sucesso, a competente ação judicial de execução fiscal, se com o desfecho do processo administrativo-tributário não se conformar o contribuinte.
A impertinência da decisão singular se viu demonstrada, com efeito, na medida em que a peça recursal fez por comprovar, de modo cristalino, através dos documentos ofertados, a existência de capacidade postulatória do signatário da impugnação, por ocasião da apresentação da referida peça, o que aliás, poderia ter feito, antecipadamente, se determinado pelo julgador a quo.
Ante o exposto, acompanho o eminente relator para, também, dar provimento ao recurso voluntário, para o efeito de determinar o retorno dos autos à inferior instância, para a apreciação do mérito.
É como voto."