NOTA FISCAL CALÇADA
RECURSO Nº 3.267/95 - ACÓRDÃO Nº 1.451/96
RECORRENTE: (...)
RECORRIDA: FAZENDA ESTADUAL (Proc. nº 042198-14.00/95.5)
PROCEDÊNCIA: CAXIAS DO SUL - RS
EMENTA: ICMS
Impugnação ao Auto de Lançamento nº 5659400066.
Preliminar de cerceamento de defesa e alegação de nulidade da Decisão de 1º Grau - Os fatos descritos na peça impositiva oferecem os elementos necessários para que o sujeito passivo compulse os seus documentos e, caso discordante, ofereça o contraditório. A juntada dos documentos relatados no lançamento não se constituem em novos elementos, pois, todos são de pleno conhecimento do contribuinte, tendo presente, que foram por ele emitidos. Prescindível a juntada de todas as vias de Notas Fiscais "calçadas", já que através da sua citação, no AL, possibilita ao comparte apontar qualquer divergência existente. A Decisão de 1º grau não apresenta qualquer indício de nulidade, pois apreciou todos os argumentos da inicial, não estando cingido a outros argumentos com apresentação extemporânea. Rejeitadas as preliminares.
Mérito.
O imposto é devido pelo valor total da operação, e a fraude em "calçar" as Notas Fiscais (consignem valores diferentes nas suas diversas vias) não garante ao contribuinte recolher com base nas importâncias menores. Inclusive, integra a base de cálculo, a importância destacada como IPI, quando a mercadoria for destinada ao consumo, ativo fixo do estabelecimento destinatário, ou mesmo se vendida a consumidor final (art. 20, inciso IV, letras "a" e "b", do RICMS).
O prazo para pagamento do imposto adveniente de documento fiscal inidôneo está marcado pelo art. 64 em seu inciso I, do RICMS. Uma vez acolhido como correto o prazo adotado no lançamento, não se justifica a discussão em torno da correção monetária, já que esta foi calculada partindo do vencimento, entendido por esta Câmara, como correto.
Rejeitadas as preliminares e, no mérito, foi negado provimento ao recurso voluntário. Por maioria.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso facultativo, em que é recorrente (...), de Caxias do Sul (RS), e recorrida a FAZENDA ESTADUAL.
Foi constituído o crédito tributário através do AL nº 5659400066, oferecida a impugnação e a réplica como relatado à fl. 377. A decisão monocrática foi desfavorável ao recorrente, exceto relativo à NF 3842, que fora computada em duplicidade no lançamento.
Desconforme com o julgado, dele recorreu alegando sua nulidade por não ter apreciado alegações juntadas no decorrer do processo, entendidas como intempestivas, ainda, alegou cerceamento de defesa em vista da omissão do Fisco de juntar todas as Notas Fiscais e vias apontadas como "calçadas". No mérito discute exigência relativa à NF nº 3842, que lhe foi favorável na instância inferior, contestou o vencimento apontado pelo Fisco com base no art. 64, I, sendo seu entendimento aplicável o disposto no art. 64, III, e deste posicionamento entendeu errado o cálculo da CM, alegou que a diferença exigida a maior, na inclusão do IPI, na base de cálculo não foi exigida do cliente, vedado ao Fisco alterar o valor do imposto destacado no documento fiscal.
A Defensora da Fazenda, que atua junto ao Tribunal, aponta dispositivos legais determinantes das exigências, tendo em vista a sistemática utilizada pelo contribuinte para reduzir o imposto a pagar. Bem como referiu ao artigo 64, I, do RICMS, para efeitos de estipular o prazo de vencimento do imposto quando presentes as infrações indicadas na peça fiscal. Pediu, também, a rejeição da preliminar.
É o relatório.
Passo a decidir.
Quando a peça fiscal descreve de forma clara, como na peça em comento, e os atos se referem aos próprios documentos emitidos pelo sujeito passivo é prescindível a juntada destes, pois, ao contribuinte está possibilitado o contraditório na sua plenitude bastando ao mesmo manusear seus arquivos e em havendo qualquer divergência fazê-la aflorar para os efeitos de cancelar exigência em excesso. Nenhum prejuízo ocorreu ao recorrente para sua defesa integral. A segunda questão posta faz referência a não apreciação de novos argumentos juntados de forma extemporânea, no que agiu bem o julgador singular, haja vista que esta defesa complementar, ou quiçá, inovadora em seus argumentos não foi alcançada dentro do tempo hábil, merecendo tratamento específico dispensando aos atos intempestivos. Rejeitadas as preliminares.
No mérito, verifica-se a prática, por parte do emitente das Notas Fiscais, de uma fraude fiscal que consiste na emissão do documento fiscal por etapas, fazendo constar nas vias destinadas ao adquirente o valor da real operação, inclusive com o imposto destacado para propiciar o crédito, e nas vias cativas (que servem para declarar e pagar o imposto) as importâncias são reduzidas para que também o imposto a ser pago fosse pequeno, prática conhecida no meio popular como "Nota Calçada". A toda evidência estes documentos são inidôneos para uma operação de vendas, e por via de conseqüência, o prazo para pagamento deste imposto deve vincular-se ao art. 64, inciso I, do RICMS, isto é, a obrigação de pagar o imposto surge no momento do fato gerador. No exame do dispositivo invocado pela defesa, qual seja, o inciso III do mesmo artigo, só tem validade para os casos em que haja cobertura de documento fiscal (entende-se documento idôneo) para a operação, e que por eventualidade este documento emitido de forma regular não mereceu o registro no livro próprio. Com toda clareza observa-se que não foi isso que aconteceu e que as parcelas de imposto, agora exigidas, provêm exatamente da parte não coberta por documento fiscal e que fora omitida propositada e criminosamente pelo emitente.
Deste entendimento resta superada a matéria relativa à correção monetária e pleiteada no recurso, em se considerando o vencimento do prazo de acordo com o inciso I do art. 64 (RICMS), está o cálculo apresentado de acordo com a norma vigente, não cabendo qualquer alteração.
E relativamente ao imposto exigido sobre o IPI, nas operações de saídas para estabelecimentos consumidores, têm o amparo no artigo 20 e seus incisos do RICMS, como pode-se observar:
"Art. 20 - Integra a base de cálculo do imposto o valor correspondente (art. 97, § 7º):
...
IV - ao montante do IPI, quando a mercadoria se destinar a:
a) consumo ou ativo fixo do estabelecimento destinatário;
b) consumidor final."
Através da documentação juntada, a pedido da Defensoria Pública, ficou demonstrado que as operações em que o Imposto sobre Produtos Industrializados integrou a sua base de cálculo se originou de vendas à (...) e que sabidamente utilizou estas mercadorias para compor o seu ativo fixo, não sendo objeto de mercancia, logo, aplicável a norma invocada no lançamento.
A exigência considerada indevida já foi excluída pelo juízo "a quo", e não é objeto de apreciação, pois a lei possibilita através do valor de alçada que a 1ª Instância não ofereça recurso na pauta assim decidida.
Ante ao exposto, rejeito as preliminares, no que os demais Juízes de Câmara acompanham, e no mérito, nego provimento ao recurso facultativo.
No mérito, estabeleceu-se um empate na sessão de 17.05.96, sendo que dois Juízes (relator e Dr. Adalberto Cedar Kuczynski) negaram provimento, e dois Juízes (revisor e Dr. Pedro Paulo Pheula) davam provimento parcial, cabendo ao Presidente proferir o voto de desempate que foi deferido na sessão de 31.05.96, nos seguintes termos:
Voto de Desempate
"Rejeitadas unanimemente as preliminares argüidas, no mérito houve empate. O Dr. Plínio Orlando Schneider, Juiz Relator, e o Dr. Adalberto Cedar Kuczynski negaram provimento ao recurso, enquanto os Juízes Dr. Oscar Antunes de Oliveira, Revisor, e o Dr. Pedro Paulo Pheula deram-lhe provimento parcial.
Pelas sustentações orais produzidas, verifica-se que a divergência entre os nobres colegas integrantes desta Câmara concentra-se em dois pontos. O primeiro refere-se a qual dispositivo do art. 64 do RICMS se aplicaria ao caso ora sub judice, se o inciso I ou o III. Trata-se do prazo para o pagamento do imposto.
Pelo item I, as operações não cobertas por documento fiscal idôneo, considera-se vencido no momento da operação.
Pelo item III, ocorrerá o vencimento no dia fixado para a entrega da GIA.
O recorrente sustentou que é aplicável in concreto, o item III do art. 64 do RICMS.
Parece-nos que para resolver o impasse é necessário verificar se as operações realizadas foram cobertas por documentação idônea, de acordo com o conceito da legislação tributária estadual.
Diz o art. 79, § 1º, do RICMS, que é considerado inidôneo para todos os efeitos fiscais, fazendo prova apenas em favor do Fisco o documento que:
d - contenha declarações inexatas...
Ora, se examinarmos a documentação relativa às operações referidas no Auto do Lançamento sub judice, constataremos que as notas fiscais respectivas, conforme foi expressamente admitido pela recorrente, tinham valores diferentes em suas diversas vias, constituindo óbvia ilicitude conducente à prática de sonegação, crime contra a ordem tributária. A alegação de que a 1ª via continha valores corretos não procede, pois reflexos teria apenas em relação ao comprador.
Com referência à recorrente, o que foi declarado em GIA e contabilizado nos livros fiscais foram os valores registrados na 5ª via, na via cativa. Configurou-se, assim, o previsto na já referida letra d do § 1º do art. 79 do RICMS, isto é, a documentação que cobria as operações realizadas continha declarações inexatas, sendo para todos os efeitos INIDÔNEA.
A conclusão é, por isso, inevitável. Aplica-se na situação presente, o prazo de pagamento previsto no art. 64 - I do mesmo Regulamento.
Diga-se de passagem que, se houve dolo específico na ação da recorrente, dele resultando pagamento menor que o devido, isto é inadimplemento de obrigação principal, a infração por ela cometida é material qualificada, não se vislumbrando a possibilidade de enquadrá-la como formal, eis que nenhuma obrigação acessória foi infringida.
O segundo ponto argüido na sustentação oral efetuada pelo ilustre patrono da Recorrente é de que, conforme o art. 2º, § 5º, I, do Decreto-lei nº 406/68, o IPI não integraria a base de cálculo do imposto por ela devido, ao contrário do disposto no art. 20, IV, letras a e b, do RICMS.
Embora se admita que o Decreto-lei nº 406/68, segundo a jurisprudência predominante em nossos Tribunais Superiores, tenha sido recepcionado pela Constituição Federal, não o foi totalmente. Mais especificamente, o seu dispositivo acima citado, entendemos que foi revogado pelo disposto no art. 155, § 2º, XI, da Carta Magna que diz, in verbis:
"Art. 155
2º - O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
...
XI - não compreenderá, em sua base de cálculo, o montante do imposto sobre produtos industrializados, quando a operação, realizada entre contribuintes e relativa a produto destinado à industrialização ou à comercialização, configure fato gerador dos dois impostos;"
Tendo em vista essa norma constitucional, parece-nos evidente estar legitimado o teor do art. 20, IV, letras a e b do RICMS e derrogada a disposição do Decreto-lei nº 406/68, § 2º, 5º - I, por contrariar a lei maior vigente.
No caso concreto, o destinatário (...), não é contribuinte do ICMS, e as mercadorias a ela vendidas, não se destinam nem à industrialização nem à comercialização.
Conclui-se, pois, que o IPI, no caso concreto, integra a base de cálculo do ICMS devido, não tendo razão a recorrente também neste ponto.
Pelo exposto, pedindo a maxima venia aos doutos Juízes Drs. Oscar Antunes de Oliveira e Pedro Paulo Pheula, não posso deixar de acompanhar o voto do eminente Relator, negando provimento ao recurso ora sub judice."
Ante o exposto, ACORDAM os membros da Segunda Câmara do Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais, por UNANIMIDADE DE VOTOS, rejeitar as preliminares e, no mérito, por MAIORIA, negar provimento ao recurso voluntário, vencidos os Juízes Oscar Antunes de Oliveira e Pedro Paulo Pheula, que davam provimento parcial. O desempate efetuado pelo voto do Presidente foi no sentido de acompanhar o Relator.
Porto Alegre, 31 de maio de 1996.
Plínio Orlando Schneider
Relator
Rômulo Maya
Presidente
Participaram, também, do julgamento os Juízes Oscar Antunes de Oliveira, Adalberto Cedar Kuczynski e Pedro Paulo Pheula. Presente a Defensora da Fazenda Alice Grechi.